QUANDO
EU A VIA, O AMOR EXPLODIA EM MIM
Conto de Dr. Afrânio Luiz Bastos
Dedicatória
À
minha esposa, Fátima, presente de Deus para mim e para meus filhos
À
minha irmã Therezinha Bastos sem a qual eu não seria médico
Aos
meus netos Ana Júlia, Bernardo, Benjamim, Thomas, Micaela e a outros que desejo
que apareçam
Século
XIX.
Em
um dia qualquer de um destes anos abençoados de Nosso Senhor Jesus Cristo.
O
sol já cansara de trabalhar naquele dia e em algumas horas depois seria
substituído pela lua que, naquela noite, seria cheia e, certamente bela.
Após
a lida do dia, sentado em uma pedra do quintal, João Francisco receberia a lua
bela com os cânticos mágicos de sua viola de pinho que o seu pai, já falecido,
fabricara e lhe dera de presente no Natal.
Ele
terminara o trabalho na roça. Doía-lhe as mãos calejadas pela enxada na capina
e plantio de milho. Chegou em casa. Tirou do dedão do pé, com uma agulha
de costura de sua mãe, depois de queimar sua ponta no fogo do fogão a lenha, um
bicho de pé que pegara no chiqueiro de porcos do seu João Fernandes.
Pediu
à sua mãe para ir pescar no córrego das pedras redondas em uma cachoeira do
lugar. Mesmo sabendo da importância da pescaria para levar o complemento de
alimentos para a mesa dela, viúva jovem, e seus cinco filhos ela ordenou que
primeiro fosse à moenda do sinhô João Fernandes, dono da fazenda onde moravam,
levar milho para trocar por milho em pó que seria usado no cuscuz.
Obviamente
que ele obedeceu. Pegou um pesado saco de milho que ele mesmo descascara e
debulhara e foi em direção à fazenda. Enveredou-se pelo caminho espinhento e
repleto de perigos onde poderiam se esconder, entre outros, cobras peçonhentas.
Na
moenda do Sr. João Fernandes um fila grande se formava, cada um esperando por
sua vez. Era forte o cheiro de suor, poeira e mato que se misturavam naqueles
corpos. Doía-lhe as costas sob o peso do saco de milho, mas ele esperava
pacientemente, pois necessitava do trabalho da moenda. Era feita uma
troca. Sempre deixavam um terço do milho para pagar o parco milho em pó que
levavam para casa. Uma troca desonesta que revoltava a todos que dependiam
daquela moenda exploradora. Eles não tinham saída, pois, não era deles a
terra em que plantavam e, muito menos, tinham outra forma de tornar em pó o
milho que os alimentava.
De
longe João Francisco observava a menina Bárbara que na porta da moenda
providenciava o acerto da troca enquanto sofridos escravos faziam a
moedura dos grãos. A menina Bárbara estava de férias e era afilhada do dono da
fazenda e, da moenda. Ela estudava farmácia em Ouro Preto e iria se formar
naquele ano. Era linda, muito linda. Bárbara e João Francisco cresceram juntos
naquelas colinas.
Ainda
menina o padrinho dela inventou esta ideia de estudar e ela foi levada, sobre
lombo de burros, pela estrada poeirenta para a cidade de Ouro Preto. Raramente ela
voltava ali.
Esta
semana seria uma época especial, pois seu padrinho, João Fernandes, estava
doando uma terra ao distrito, ao lado do Rio Matipó, na sua reta maior, para se
iniciar um povoado. Seria feita uma comemoração e Bárbara viera para a festa.
João
Francisco nunca mais a tinha visto, embora desejasse isso todos os dias e
noites de sua vida. Cresceram juntos, brincaram juntos, estudaram juntos
na pobre escolinha da colina.
João
Francisco se apaixonou por ela.
Sua
imagem linda, embora longe e sem se lembrar de um pobre coitado como ele, não
saía de sua mente. Ela nem imaginava o que se passava nos pensamentos e nos
sentimentos dele.
João
Francisco a recordava caminhando perigosamente em alta velocidade em pelo de
cavalo, sem arreio, sem sela. Ela, lembrava ele, parecia uma deusa ou uma fada
cavalgando nos pastos de capim gordura desfilando e desafiando as altas
colinas. Das altas colinas uma brisa fria descia e balançava seus cabelos de
rebeldes cachos amarelos. Brilhantes cabelos cor do
sol lindamente a deslizar em seu rosto angelical.
Ela
viu João Francisco na fila e foi até ele cumprimentá-lo. Ele sentiu
vergonha de si mesmo. O perfume dela nunca se afastou dele. Ele se lembrou de
quando eram crianças e ela o ensinava a escrever. As suaves mãos dela
conduzindo as suas, grosseiras e desajeitas, a ensinar-lhe a escrever o bê-á-bá
e o a-b-c. Seu simpático sorriso largo, sempre lindo, continuava a lhe enfeitar
o rosto.
Como
é difícil tentar esquecer esta paixão de sua vida. Como é difícil pensar em
esquecer aqueles dias lindos. João Francisco não deixa de pensar nela e, a cada
dia parece que seu amor aumenta mais, como também aumenta a distância entre
eles. Ele continua sem cultura e ela cada vez mais estudada. Ele não devia
tê-la amado. Acha até que foi atrevido e irresponsável quando o fez, mas, é
tarde demais agora para controlar o seu coração. Ela se aproveitou de sua
simplicidade, enfiou suas lindas mãos em seu peito amolecido e de lá arrancou
seu coração, cravou-lhe uma flecha e o entregou a um anjo pequenino que o
escondeu ao longe das colinas azuis.
Um
amor doentio tomou conta de seu ser e, aquele amor proibido estava ali, era ela.
Ela foi até ele. Ele estava sujo e cheirava mal pelo suor do trabalho desde
madrugada alta. Ela, elegantemente vestida com roupas de cidade, suavemente
perfumada, olhos cheios de vida e o mesmo lindo sorriso largo. Ele não sabia se
ficava feliz se contentando só com aquilo ou frustrado e triste por não merecer
mais. Ela tocou as suas mãos calejadas e sujas, fazendo o seu
coração explodir de amor. Ela lhe perguntou como estava ele. Ele respondeu com
respeito e educação. O seu já falecido pai lhe ensinara a conversar bem.
Quando
eram crianças, lá na escolinha da serra, antes de Bárbara ir para a cidade
grande, enquanto brincavam, ela o corrigia e o ensinava a falar. Também lia os
livros do monsenhor João Facunto Chaves que, antes da construção da primeira
capela, vinha algumas vezes rezar missa na casa grande da fazenda. Nos horários
das missas, no terreiro descalço, eles se amontoavam sentados no chão puro
juntos com índios Puris e velhos escravos doentes para ouvir a palavra de Deus.
Voltando à realidade conversaram um
pouco e ela voltou para a sua atividade na moenda.
Chegou
a vez do milho de João Francisco ser moído, e foi...
Após pegar o pó de milho que a autoridade lhe delegava em troca pelo trabalho
da barulhenta moenda movida por água corrente, ele saiu, deixou em casa junto
com um maço de couve que pegara na casa de seu Monteiro em troca de
um punhado do pó de milho que levava.
Seu Monteiro mandou que Maria Francisca lhe desse uma cuia d'água para lhe abrandar
a sede. Ela, enquanto derramava a água fresca na cuia de coité, olhava João
Francisco emocionada e desejosa. Ela gostava dele e, gosto fazia toda a sua
família para o casamento. Ele não conseguia dar a ela nenhuma esperança, pois,
o seu amor impossível era todo de Bárbara. Ela dizia que se João Francisco não
a quisesse de verdade ela iria para o convento ser freira.
João Francisco pegou a sua vara de pescar, arrancou com o enxadão algumas
espertas minhocas no quintal e caminhou rápido por entre o mato e o capim alto
para pescar lambari no rio que se formava
no desaguar de uma cachoeira das proximidades. Sabiás selvagens cantavam
alegremente em seus ninhos no pé de angá. Canários- da-terra embelezavam a
tarde com seu lindo cântico enquanto suas fêmeas colhiam pequenas minhocas nos
barrancos do riacho barulhento. Dois filhotes de coelhos brincavam no
capim alto indiferentes ao cansaço do dia que findava e à noite que se
anunciava linda. Ainda era crepúsculo. O anoitecer chegava e, lentamente,
empurrava o sol para detrás dos montes azuis.
Quando
ele estava chegando, ouviu risos no remanso da cachoeira. Caminhou rápido
afastando frágeis ramas de bambu e viu dois jovens índios puris agachados e
olhando excitadamente ansiosos. Voltou-se para o lago do remanso e viu duas
moças nuas nadando indiferentes a tudo e a todos. Uma delas era Bárbara e, a
outra, uma escrava da família que lhe servia de dama de companhia, tão moça
quanto Bárbara. Ele já as vira outras vezes ali se banhando. Sentiu um ciúme
infernal e partiu para cima dos índios para impedi-los de continuar olhando e
travaram uma briga tamanha. Enquanto ele lutava com um deles, o outro correu e,
roubando as roupas das duas moças e, fugindo silenciosamente, ele sumiu
capoeira adentro. João Francisco e o outro índio puri se machucaram muito e
saíram se xingando. O índio que com ele lutava, também correu mato adentro
esquecendo e deixando para trás uma fieira grande de lambari que havia pescado.
Enquanto isso, um menino escravo já buscara novas roupas para elas na casa
grande da fazenda.
João
Francisco voltou para casa onde a sua mãe o esperava com o complemento do
jantar. Ele limpou bem limpo lambari por lambari e os fritou bem fritinhos na
quente banha de porco. Um gostoso mingau de couve, cuscuz de milho e lambari
frito foi o jantar. Seus irmãos eram amigos, felizes e brincalhões.
Conversavam bastante e davam muitas risadas. Comiam com vontade e, com
gostosa fartura, aquela comida pobre.
João
Francisco acendeu as lamparinas de azeite. Sentou-se com a sua viola de pinho
numa pedra junto ao terreiro. Músicas lindas e apaixonadas saltavam das cordas
de sua viola. As doces melodias se espalhavam molhadas pelo sereno da
noite do lugar e voavam com o vento seguindo rumo à imensidão. Parecia até que
as estrelas "lumiavam" mais o chão e se afastavam para deixar a lua
cheia o olhar mais de perto.
De
repente, João Francisco foi abordado por um policial o intimando a ir ao posto
policial para depor. Um índio puri o denunciara como se ele tivesse roubado as
roupas de Bárbara e de sua escrava no remanso da cachoeira. João Francisco
negou tudo e não aceitou assinar o depoimento. Apanhou muito do policial, ficou
todo marcado de borrachadas do cassetete do policial, mas, não assinou. Ficou
preso naquela noite, todo doído e sangrando, mas não assinou por uma coisa que
não havia feito.
Pela
manhã o policial, o mesmo, só havia ele no povoado de São João do Rio Matipó,
abriu a porta da cadeia e o soltou praguejando ameaças por ele ter se negado a
assinar o depoimento. João Francisco já estava na rua poeirenta
quando, da porta da cadeia, o policial gritou com voz firme e alta:
__Agradeça
à madame Bárbara, pois, foi ela que lhe mandou soltar.
Curiosos
o rodeavam e comentavam seus machucados e a sua humilhação. Chorando, a sua
santa mãe veio recebê-lo e o escorou na volta para casa. Ao passar pela
porteira que dá acesso ao terreiro ele desmaiou. Desesperados ela e dois de
seus irmãos o carregaram até o barraco e o deitaram em uma rede limpa. Trocaram
cuidadosamente a sua roupa ensanguentada e cobriu as lesões com uma pasta de
confrei.
A
notícia se espalhou pelo povoado. Seus amigos vieram visitá-lo. Todos o
conheciam bem e, mais, sabiam do seu amor pela filha da Casa Grande. Apostavam
que não fora ele. Um deles chegou a questionar por que ele não reagiu e não
lutou com o policial. Teria sido pior e ele teria que fugir, pois, outros policiais,
certamente, seriam enviados da "freguesia" de Abre Campo a ajudá-lo a
manter a ordem e o respeito à autoridade.
João
Francisco já se sentia bem por não ter assinado o depoimento no mal escrito
livro de registros e ocorrências.
Neste
instante chegou uma escrava de Bárbara com uma "encomenda" para ele.
Disse a escrava:
__A
senhorita Bárbara ficou sabendo do ocorrido e mandou este chá que ela mesma fez
para voismicê. É uma decocção de confrei com água e vinho e serve para sarar a
dor e a inflamação.
João
Francisco agradeceu e a escrava saiu apressada. Mesmo antes de tomar aquele chá
ele já se sentiu melhor. Fora feito e mandado pela sua amada. Ela fora a causa
da sua prisão e das suas lesões. Parecia que se importava com João Francisco, o
que lhe fazia muito bem saber.
Continuava a vida como Deus a determinou. Já dois anos haviam se passado.
Alguns alqueires de terra foram doados pelo padrinho de Bárbara ao longo do
trajeto mais reto do rio Matipó. Ali se construiu uma capela, que levou todo
este tempo para ficar pronta, em homenagem a São João.
Na construção da capela João
Francisco trabalhou duro, como voluntário, ao lado de alguns amigos, sem nada
receber. Trabalhavam às noites, sábados e domingos, até deixarem pronta a
capela de São João Batista. Monsenhor João Facunto Chaves passou a rezar diariamente
na capela e não só ocasionalmente como fazia antes na Casa Grande da
fazenda.
Era junho, época de festas juninas, dia de São João, e uma grande festa foi
preparada para aquele sábado. Bárbara já estava formada e trabalhava no
lugarejo. Vários amigos dela vieram da cidade grande em lindos cavalos
marchadores e estavam hospedados na Casa Grande da fazenda. João Francisco
morria de ciúmes dos amigos dela e chegava a se deprimir e a se odiar por não
ter qualidades para disputar o seu amor.
Fora uma grande festa. Bandeirolas coloridas de papéis cortados, amarradas em
barbantes entrelaçados, completavam um cenário festivo. Ao fundo o mastro, com
a imagem de São João Batista, personalizava a comemoração. De muito longe, da
Diocese de Mariana, vieram a banda de música e os congados, sendo todos os
instrumentos transportados por tropa de burro e os músicos e dançarinos em lindos
cavalos de raça. Ficaram todos hospedados na fazenda de seu João Fernandes.
Doía-lhe novamente o ciúme de sua desejada Bárbara pelos rapazes que se
hospedavam na casa de seu padrinho onde ela costumava frequentar.
Grandes valetas foram cavadas no solo onde troncos se queimavam em brasa
assando centenas de grandes pedaços de boi transfixados por espetos de bambu.
Todos do povoado comiam sem economia aquela oferenda do padrinho de Bárbara.
Sanfoneiros se postavam noite adentro no ritmo de músicas de época. Violeiros
apaixonados faziam as cordas de seus instrumentos levarem as suas mensagens de
amor às caipiras virgens do lugar. Até mesmo João
Francisco mandou a sua mensagem, não só tocando, mas, também cantando. As
cantatas dele eram juras de amor para a sua doce Bárbara que nem ali estava.
Talvez bastante ocupada com os seus convidados na casa grande da
fazenda.
No
dia seguinte foi o tempo de se recuperar da ressaca da festa. Ninguém faltou à
missa das dez naquele lindo domingo de sol. João Francisco e seus cinco irmãos,
juntamente com a sua mãe, voltavam famintos para casa depois da demorada
homilia (como dizia o
padre).
Quando
estavam atravessando a porteira, quase foram atropelados por vários cavaleiros.
Talvez uns sete ou oito, não se sabe ao certo, que passaram em disparada
gritando desesperados que estavam sendo perseguidos por uma onça. Assim como
chegaram sumiram na curva do morro. Logo em seguida uma linda voz conhecida
passou a galope, em seu cavalo de raça, gritando loucamente por socorro. Logo
atrás, a perseguí-la, uma onça pintada gigantesca, rugia seu ruído mais
ensurdecedor. O cavalo de Bárbara tropeçou atirando-a no poeirento chão de
terra batida deixando-a à sua sorte, frente ao gigantesco e faminto felino. Era
ela, a Bárbara bela tão amada e desejada, tentando se levantar. A onça,
ameaçadora, caminhava lentamente em sua direção estremecendo o terreiro com seu
rugido mais forte. Necessitando matar a sua fome, o gigantesco felino já tinha
certo a sua desprotegida e fácil refeição. Angustiado, João Francisco não sabia
o que fazer. Ele não podia perder a sua amada mesmo ela o desconhecendo e, já
que era desconhecido, por que continuar vivo. Ele só tinha um facão na cintura.
Quando deu por si já estava pulando em cima da onça e, quase irresponsavelmente,
agarrando-a pelo pescoço e deferindo-lhe repetidas facadas com toda a força de
seus musculosos braços. Atirado ele foi ao chão e pareceu sentir o peso daquele
feroz animal sangrento a lhe morder os braços e o tórax. João Francisco gritava
de dor com as mordidas da pintada, mas, não deixava de desferir nela repetidas
e certeiras facadas. Já quase desfalecido, ouviu-se um tiro e o gigantesco
animal caiu morto em cima dele.
Quando
deu por si, ele estava em uma cama de verdade (nunca havia deitado numa), na
casa grande. Alguém lhe dera banho e a sua amada farmacêutica cuidava de suas
feridas. Com linhas comuns bem fervidas, ela "costurou" as suas
lesões maiores. O mesmo amassado de folhas de confrei era usado nas feridas.
Repetidas doses de chá quente de confrei com água e vinho lhe eram dadas.
Compressas de água tentaram lhe aliviar a febre. Por muitos dias permanecera
desfalecido e, conforme lhe contaram depois, delirando com a febre que teimava
em não ceder. A farmacêutica Bárbara não se desligava dele. João Francisco
sentiu medo que, em seus delírios, lhe tenha mencionado o nome. Quando teve
condições de ir embora vários dias depois, quero dizer muitas semanas depois,
João Francisco agradeceu envergonhado por não ter como pagar. João Fernandes
lhe respondeu:
__
Meu amigo, meu amigo. Se aqui alguém tem que pagar alguma coisa somos nós. Você
se arriscou para salvar da morte certa a minha menina Bárbara. Os amigos dela
lá da cidade correram todos e a abandonaram à própria sorte. Se não fosse o
Chico caçador você teria morrido. Fiquei tão emocionado com sua atitude que dei
um pedaço de minha terra para sua mãe plantar uma horta e criar alguns porcos e
cabras. Mandei fazer também uma casa decente para vocês com quartos grandes e
camas para todo mundo. Tudo isso é muito pouco pelo que você fez por nossa
família. Vá com Deus.
E continuou ainda seu João Fernandes:
__ Que
mais eu posso fazer por você em agradecimento?
João
Francisco olhou fixamente nos olhos de Bárbara a quem só por prêmio poderia
pretender o seu coração, se quisesse um. Não bastava só ele a querer. Também
não seria bom se ela o quisesse por dó, por compaixão ou por
agradecimento.
Um carro de duas juntas de bois o levou para casa, agora um pouco mais longe. A
sua mãe estava com ele. Não saíra de seu lado durante todas aquelas semanas.
Alguma parte de seu corpo ainda doía quando entrou em sua casa nova, que era
bem bonita e confortável. A sua mãe merecia e, também os seus irmãos. Eles já,
enquanto João Francisco estava moribundo, plantaram verduras e legumes na
horta. Já ordenhavam as cabras e o milho engordava três porcos no chiqueiro.
Galinhas corriam pelo quintal que não era pequeno. Teriam uma vida mais segura
e tranquila, se soubessem manipular o que lhes foi dado. Certamente
saberiam, pois queriam melhorar de vida. Ele, sua mãe e seus irmãos estavam
constrangidos de aceitar “aquele” pagamento em troca da vida da afilhada do
fazendeiro.
Depois
de mais recuperado eles foram lá conversar com João Fernandes, padrinho de
Barbara e dono da fazenda, sobre o constrangimento que a doação lhes
causou. Saíram de lá convencidos de que aquilo não era nada frente à
fortuna do seu João Fernandes, sem falar no sacrifício de quase morte de João
Francisco. Voltaram para casa menos desconfortados.
No dia seguinte era domingo. Um frio domingo de fim de inverno. Chovia. Chovia
muito. Enxurrada e barro lamacento dificultavam a todos de caminhar pelas ruas
descalças. Mesmo assim não faltaram na missa da capela. Monsenhor João Facunto
Chaves fez uma linda homilia. Ao final da missa ele pediu aos fiéis que
rezassem em agradecimento a Deus pelo restabelecimento de João Francisco. Ele
ficou emocionado pela vibrante oração daqueles amigos humildes.
João
Francisco deixou que todos saíssem. Permaneceu ajoelhado. Ainda sentindo alguma
dor, rezou ao seu santo protetor em agradecimento não só pela sua vida, mas,
pela gratidão do padrinho de sua amada de facilitar a vida de sua mãe e de seus
irmãos.
Monsenhor
João Facunto, quando saía, foi até onde ele estava, sentou-se ao seu lado com o
cuidado para não interromper a sua oração. João Francisco falou primeiro:
__
Obrigado monsenhor pela linda oração por minha recuperação. Fiquei emocionado
com a resposta de nosso povo acompanhando a sua reza.
__
Meu filho, meu filho... Somos todos irmãos. Além disso, você é um filho de Deus
e, saiba, um filho de Deus muito especial, muito amado, muito querido por nosso
povo.
__
Padre, o Senhor me conhece desde menino. Muito raramente o Senhor vinha rezar
missa aqui, ainda no terreiro da casa grande da fazenda, e eu sempre estava lá
aprendendo a “falar certo” como o senhor dizia. Como o senhor me conhece sabe
que eu não estou confortável com o pagamento que seu João Fernandes deu à minha
família pelo que aconteceu.
__Não,
não! Claro que não! Ele nada lhe pagou, pelo contrário. Pelo contrário meu
filho, ele enganou você e tentou abafar seus nobres sentimentos. Eu estava a
todo o momento ao seu lado, durante todo o período mais grave de seu
restabelecimento. A febre parecia querer consumir você. Você delirava e falava
alto e, em todo momento, você declarava a sua paixão por Bárbara. Delirando
você descrevia cada facada que dava na grande onça pintada e sempre gritando que
amava Bárbara e que não a deixaria ser ferida ou maltratada. Sua amada Bárbara
não saía de seu lado e ela chorava muito quando ouvia o nome dela de sua boca.
Seu João Fernandes, com o prêmio que deu, só quis compensar e afastar de você
outras futuras pretensões. Se você realmente gosta de Bárbara, se você quer de
verdade a sua amada, meu filho, só tem um caminho. Vá para a cidade grande
estudar.
__Como,
monsenhor? Como?
__Só
depende de você querer. Tenho amigos em Ouro Preto que podem lhe dar um ofício
e, ao mesmo tempo, lhe abrir horário para estudar. Agora você pode provar que
ama Bárbara de verdade. Estudado você estará no mesmo nível dela. Seus irmãos
já têm facilidade para se virarem sozinhos. E, você se formando, poderá
ajudá-los mais tarde, certo?
__Vou
conversar com meus irmãos e com a minha mãe e volto a falar com o senhor.
João Francisco voltou para casa e, no trajeto de volta, a sua mente trabalhava
a proposta do padre. Pela tarde, Bárbara passou na casa dele para revisar os
seus ferimentos. Estavam ótimos. Ela aproveitou para opinar sobre a sua ida
para a cidade grande para estudar. Ela até lhe deu o nome de um ourives e
joalheiro amigo dela dizendo que ele não deixaria de ajudá-lo. Já ali mesmo
escreveu uma carta de apresentação. Ela lhe desejou boa sorte e foi
embora.
Sabendo
que poderia ser mesmo mais uma maneira de se aproximar de Bárbara, tendo
cultura igual à dela, podendo conversar no nível que o dela, João Francisco
decidiu ir. Também, depois de formado, poderia ajudar os seus irmãos e
descansar a sua mãe da lida diária.
Enfrentou
uma aventura até então desconhecida. Uma longa viagem em um burro de carga que
a igreja lhe emprestara. Enfrentou poeira e chuva pelo caminho. O monsenhor lhe
dera algum dinheiro para ele pernoitar em alguma pousada nas noites daquela
longa jornada, mas, ele preferiu guardá-lo para usar em seus estudos.
Ele
foi muito bem recebido pelos amigos de Bárbara. Parece que ela era mesmo muito
querida deles. Passaram a tratá-lo como herói quando souberam do seu feito para
salvá-la.
João
Francisco estudou e trabalhou muito. Terminou o segundo grau e ingressou na
Escola de Minas e se formou em engenharia.
Voltou
para casa depois de oito anos. Encontrou todos bem em sua casa. Todos estavam
muito felizes e orgulhosos com a sua formatura. João Francisco ficou alegre
porque todos progrediam no trabalho na roça e cresciam junto com o crescimento
do povoado de São João de Matipó.
Ele teve medo de perguntar pela sua
adorada Bárbara. Não esperaram pela sua pergunta. A sua mãe disse que ela se
casara. O nosso novo Engenheiro se calou. Ele não deveria sentir isso, mas,
chegou a ter muita tristeza, uma enorme frustração, na verdade, ódio. Perdeu a
fome e agradeceu quando a sua mãe o chamou para almoçar. Entrou para o banheiro
para que ninguém o visse chorar. Banhou-se para tirar o pó do caminho.
Tentou
esquecer e descansar um pouco e não conseguiu. Montou seu cavalo de raça
trotador, sim, agora ele tinha um. Foi até a capela agradecer ao Monsenhor por
ter feito dele um engenheiro.
Enquanto
o seu cavalo o conduzia pelas ruas da vila, ele programava voltar para Ouro
Preto. Não tinha mais o que fazer ali.
Observava,
passando pelas ruas, melhorias no comércio local. Pode ver uma loja de roupas,
uma venda de secos e molhados. Em um bar, alguns antigos amigos jogavam sinuca
e saíram à porta para o verem passar curiosos. Certamente não o conheceram.
Voltaria ali depois para cumprimentá-los, pois, certamente eram conhecidos.
Todos o eram quando saiu para estudar, pelo menos a maioria deles.
__Padre!
Chamou
a meia distância, pois ele conversava com alguém debaixo de uma das duas
grandes árvores que tinha na praça da capela. Monsenhor João Facunto se
levantou, virou-se ajeitando os óculos que lhe davam uns ares engraçados. Ao
reconhecer João Francisco apressou-se a alcançá-lo.
__Meu
filho, meu filho, que saudades. Todos os dias destes oitos anos eu perguntava
por você, eu rezava por você.
__Obrigado
padre por tudo que o senhor fez por mim. Sou um engenheiro de Minas graças ao
seu incentivo, graças ao seu apoio. Isso sem falar do dinheiro que me emprestou
para despesas pelo caminho e a mula que me deu para me levar junto com minha
mala de roupas até Ouro Preto. Aqui tem um dinheiro, tome. Acho que dá para
pagar seu empréstimo e a mula, não?
__Não
quero meu filho. Dê à sua mãe e aos seus irmãos.
__Não,
padre, eles não precisam mais. Progrediram muito depois que ganharam a terra
para plantar e estão bem. Pode pegar padre. Fica para as obras da capela.
__Tudo
bem, João Francisco. Se você insiste tanto, vou aceitar para as obras da
paróquia.
__Agora,
padre, quero que me abençoe para eu tirar de meu coração este quase ódio que
nele se instalou por Bárbara ter se casando com outro.
E
duas lágrimas atrevidas deslizaram pelo seu rosto bem barbeado, exatamente bem
barbeado para encontrar a sua amada que agora pertencia a outro homem e ele nem
mais a poderia ver!
__Não
meu filho, não meu filho. Não necessita eu abençoar você para trocar por
compreensão o ódio que se instalou em seu peito. Na verdade, tudo de bom que
aconteceu com você e sua família foi a menina Bárbara que colaborou para
acontecer. Por favor, trate de esquecê-la, pois, está casada e o fez diante
deste altar de Deus e só a morte pode liberá-la deste juramento, você sabe
disso.
__Como
assim padre?
__Vamos
enumerar? Você foi preso e maltratado injustamente pelo sumiço da roupa dela e
ela se condoeu e o mandou soltar. Você lutou bravamente com aquela onça e quase
morreu. Você o fez por amor. Você sofreu e, tentando afugentar você de Bárbara,
seu João Fernandes, padrinho dela, fez o que fez para a sua família que, como
você mesmo diz, está progredindo na terra própria. Agora, convenhamos você não
foi à busca de cultura porque eu ajudei. Você não se firmou em Ouro Preto pela
carta de Bárbara ao amigo joalheiro dela. Você foi empurrado para Ouro Preto em
busca de melhorar sua posição social e ter mais condições de lutar pelo seu
amor. Logo, meu amigo, você subiu na vida graças a seu amor por Bárbara. Volte
para Ouro Preto e busque outro amor, continue progredindo na vida.
__Com
quem Bárbara se casou?
__Acho
que não deveria saber. Vá embora. Esqueça esta moça. O que importa com quem ela
se casou?
__Eu
vou sim, padre, mas, diga-me o nome dele. Eu preciso saber. Se o senhor não me
disser eu vou perguntar a ela e será pior.
__Muito
bem, meu filho. Por capricho do destino ela se casou com um índio. Um índio
Puri. O mesmo índio Puri que roubara a roupa de Bárbara naquela tarde no
remanso das pedras redondas da cachoeira. Você por culpa dele, naquele dia, foi
espancado e preso.
__E
eles vivem bem?
__Vá
embora, meu filho. Isto não é da sua conta...
__Pela
sua resposta eles não vivem bem, não é?
__Sim,
eu não deveria lhe contar isso, pois, vai fazer você sofrer e não é você que
conseguirá consertar isso. Ele é uma pessoa má, alcoólatra, agressivo, não
trabalha e, sem nenhuma classe, sem nenhuma cultura. Não sei por que a nossa
pequena Bárbara foi se envolver com uma pessoa deste nível. Ele vive na venda de
Sr. Norim se embriagando.
__Mas,
ele não a agride certo?
__Agride
sim. Muitas vezes ela foi agredida por ele.
__Padre
do céu, por que ele tolera isso, me diga?
__Ela
é uma verdadeira cristã, meu filho. Não se envolva nisso. Volte para Ouro
Preto, vá viver a sua vida profissional que será linda. Não fique aqui, vá
embora!
__É
isso que significa ser cristã? Ou cristão? Ela tem que se submeter ao
sofrimento para provar que é cristã? Não creio no que estou ouvindo, padre. Que
Deus é este? Este Deus não é aquele que me ensinou no catecismo. O Deus que eu
aprendi não quer que as pessoas sofram. Desculpe padre. Vou embora sim, pois
jamais vou concordar com isso. Como o senhor disse, eu não vou conseguir mudar
isso. Volto amanhã para Ouro preto. Abençoe-me, monsenhor. Antes de
partir, volto para me despedir.
__Vá
com Deus, meu filho. Dê lembranças à sua mãe. Diga aos seus irmãos que eu não
os vejo na capela. Apenas vejo sua mãe. Deus os quer aqui.
__Eu
direi padre.
João
Francisco voltou pensativo trotando o seu cavalo marchador. Doía-lhe o coração
pelo sofrimento de Bárbara. Resolveu andar pelo povoado para ver as mudanças
que tanto falavam que tinham acontecido. De longe ele observou uma farmácia.
Caminhou até lá. Era a farmácia de Bárbara. Desceu do cavalo e o continuou
puxando pela rédea e caminhando em direção à farmácia. Entrou. Ela, assim que o
viu, fugiu para dentro. Chegou a ver seu braço na tipoia e um olho muito roxo.
João Francisco a chamou e não foi atendido. Ela o reconheceu e não quis ser
vista naquele estado.
João
Francisco voltou triste para casa. No trajeto de volta ele mudou de ideia e foi
até a venda do Sr. Norim. Desceu do cavalo e o amarrou em um travessão
apropriado na porta. Alguns amigos o cumprimentaram. O marido de Bárbara
sentado em um saco de arroz, recostado ao balcão de tijolos sem reboco levantou
o mini copo de aguardente e o levou à boca num gole só. Quando viu João
Francisco levantou-se e foi logo o insultando:
__Olha
só quem está aqui. Está bem seu almofadinha, hein? Olha aí gente,
ele agora é doutô, doutô da cidade grande. Quer tomar uma pinga “seu”
doutô? Sua amada, que voismicê nunca conseguiu namorar é agora a minha
muié, sabia? Minha muié! Nunca mais vai ser sua, entendeu seu almofadinha?
Minha muié. Eu pago uma pinga pra voismicê pra comemorar. “Seu” Norim bota uma
pinga “prele”.
“Seu”
Norim obedeceu e colocou um mini copo de pinga no balcão. João Francisco o
pegou, levantou-o até a boca e voltou a colocá-lo no balcão e disse com voz
firme e tendo todos a olhá-lo:
__Eu
ainda gosto de uma pinguinha. Eu vou tomar esta pinga para comemorar seu
casamento, mas, eu vou pagar.
E,
tirando o dinheiro da algibeira o colocou sobre o balcão. E completou:
__Não
posso aceitar um brinde de um homem que bate na mulher...
O
índio puri se levanta, pega o mini copo no balcão e atira a pinga no rosto de
João Francisco. A aguardente arde em seus olhos e o ódio em seu coração.
Assim que ele coloca o copo no balcão de tijolos crus João Francisco o pega e o
atira violentamente no rosto do índio Puri. Conseguiu atingi-lo em plena
região de supercílio direito com um ferimento que sangra muito. Pareceu querer
desfalecer com o impacto do lançamento, mas, recuperou-se rapidamente. Saiu
praguejando furioso e gritando para João Francisco não se meter com a família
dele. Depois de secar o rosto da pinga nele atirada, João Francisco voltou para
casa.
O
jantar estava pronto. Agora ele estava com fome. O episódio na “venda” abriu o
seu apetite. Que saudade da comidinha de sua mãe. Cheirava na cozinha o frango
ensopado com lobrobô (ora-pro-nóbis) A fumaça do fogão à lenha misturava-se à
fumaça do caldeirão de arroz e da vasilha de mandioca cozida. João Francisco
pediu desculpas à sua mãe, mas, não resistiu ao ver aquelas linguiças secas na
fumaça penduradas em cima do fogão e teve que matar a saudade e comer um bom
pedaço assado na brasa.
Era
noite alta e João Francisco tocava a sua viola no terreiro tendo como plateia,
no chão, cabras e vacas, e no céu, as mesmas estrelas disputando com a lua um
espaço no escuro do céu. De repente vieram gritando que o índio puri acabara de
matar a sua esposa e fugira para a serra de malacacheta. João Francisco largou
a viola, pegou o seu cavalo e correu até a casa grande. Deu de ombros
empurrando curiosos ali aglomerados e, estirada no chão da varanda, deparou com
a sua sempre pretendida Bárbara, morta. O peito com várias perfurações de faca
e o sangue, que tanto desejou amar, tingindo o chão de tábuas de braúna por
onde escorria. Ajoelhou-se sobre aquele sangue e, em um choro incontrolável,
abraçou pela primeira vez aquele corpo que tanto desejou, querendo, talvez,
trocar de lugar com ela. Seu sangue, ainda escorrendo, molhava o peito dele que
não cabia de dor e ódio. Levantou-se com os punhos serrados e gritou com toda a
força que o ódio lhe permitia:
__Índio
puri, desgraçado. Você destruiu minha vida, seu maldito dos demônios. Eu vou
buscar você seu canalha. Vou até o inferno. Eu vou trazer você arrastado pelo
rabo do meu cavalo de onde você estiver até aqui e farei você lamber este
sangue sagrado de minha amada Bárbara.
E
num salto rápido pulou na cela de seu cavalo e correu noite adentro subindo e
descendo morros e logo o alcançou correndo a pé pelas encostas brilhantes de
malacacheta. Quando viu que era realmente ele, João Francisco gritou
enfurecido:
__Seu
índio desgraçado, volte aqui seu covarde, venha bater em alguém de seu
tamanho.
__Quer
morrer também seu almofadinha da cidade grande? Então morra.
Estranhamente,
João Francisco ouviu dois tiros e viu seu cavalo correndo de volta e, viu
também o seu corpo rolando pela encosta. Ele correu até o seu corpo e o seu
corpo estava morto. Não viu mais o índio. Não viu mais as minas de malacacheta.
Não viu mais a noite.Não se viu mais...
A
vida terrena de João Francisco acabara ali. Naquela mesma madrugada, ainda
fugindo a pé, o índio sentou-se em um cupim para descansar, foi picado por uma
cobra jararaca e morreu.
Parece
que o espírito de João Francisco estava apenas esperando a morte de seu
assassino. Assim que o índio foi morto pela cascavel, ele voltou a se ver, mas,
não na terra. Ele se viu em uma gigantesca escadaria de prata que parecia
flutuar e ser carregada por também gigantescas nuvens brancas. Ali, onde
flutuava, ele não conseguia sentir ódio. Dali ele podia ver, como em um filme,
cenas do mundo inteiro que não conhecia. Conseguia ver a dor de sua família, na
terra, sendo consolada por anjos do céu. Mas, outros anjos, pequeninos, o
despertaram para a nova vida que, agora, seria eterna. Outros anjinhos
trouxeram até ele o espírito de Bárbara. Estava linda, chegou com o seu sorriso
largo. Deram-se as mãos, beijaram-se intensamente e continuaram subindo, juntos,
as escadarias do céu.
QUANDO
EU A VIA, O AMOR EXPLODIA EM MIM
Conto de Dr. Afrânio Luiz Bastos
Dedicatória
À
minha esposa, Fátima, presente de Deus para mim e para meus filhos
À
minha irmã Therezinha Bastos sem a qual eu não seria médico
Aos
meus netos Ana Júlia, Bernardo, Benjamim, Thomas, Micaela e a outros que desejo
que apareçam
Século
XIX.
Em
um dia qualquer de um destes anos abençoados de Nosso Senhor Jesus Cristo.
O
sol já cansara de trabalhar naquele dia e em algumas horas depois seria
substituído pela lua que, naquela noite, seria cheia e, certamente bela.
Após
a lida do dia, sentado em uma pedra do quintal, João Francisco receberia a lua
bela com os cânticos mágicos de sua viola de pinho que o seu pai, já falecido,
fabricara e lhe dera de presente no Natal.
Ele
terminara o trabalho na roça. Doía-lhe as mãos calejadas pela enxada na capina
e plantio de milho. Chegou em casa. Tirou do dedão do pé, com uma agulha
de costura de sua mãe, depois de queimar sua ponta no fogo do fogão a lenha, um
bicho de pé que pegara no chiqueiro de porcos do seu João Fernandes.
Pediu
à sua mãe para ir pescar no córrego das pedras redondas em uma cachoeira do
lugar. Mesmo sabendo da importância da pescaria para levar o complemento de
alimentos para a mesa dela, viúva jovem, e seus cinco filhos ela ordenou que
primeiro fosse à moenda do sinhô João Fernandes, dono da fazenda onde moravam,
levar milho para trocar por milho em pó que seria usado no cuscuz.
Obviamente
que ele obedeceu. Pegou um pesado saco de milho que ele mesmo descascara e
debulhara e foi em direção à fazenda. Enveredou-se pelo caminho espinhento e
repleto de perigos onde poderiam se esconder, entre outros, cobras peçonhentas.
Na
moenda do Sr. João Fernandes um fila grande se formava, cada um esperando por
sua vez. Era forte o cheiro de suor, poeira e mato que se misturavam naqueles
corpos. Doía-lhe as costas sob o peso do saco de milho, mas ele esperava
pacientemente, pois necessitava do trabalho da moenda. Era feita uma
troca. Sempre deixavam um terço do milho para pagar o parco milho em pó que
levavam para casa. Uma troca desonesta que revoltava a todos que dependiam
daquela moenda exploradora. Eles não tinham saída, pois, não era deles a
terra em que plantavam e, muito menos, tinham outra forma de tornar em pó o
milho que os alimentava.
De
longe João Francisco observava a menina Bárbara que na porta da moenda
providenciava o acerto da troca enquanto sofridos escravos faziam a
moedura dos grãos. A menina Bárbara estava de férias e era afilhada do dono da
fazenda e, da moenda. Ela estudava farmácia em Ouro Preto e iria se formar
naquele ano. Era linda, muito linda. Bárbara e João Francisco cresceram juntos
naquelas colinas.
Ainda
menina o padrinho dela inventou esta ideia de estudar e ela foi levada, sobre
lombo de burros, pela estrada poeirenta para a cidade de Ouro Preto. Raramente ela
voltava ali.
Esta
semana seria uma época especial, pois seu padrinho, João Fernandes, estava
doando uma terra ao distrito, ao lado do Rio Matipó, na sua reta maior, para se
iniciar um povoado. Seria feita uma comemoração e Bárbara viera para a festa.
João
Francisco nunca mais a tinha visto, embora desejasse isso todos os dias e
noites de sua vida. Cresceram juntos, brincaram juntos, estudaram juntos
na pobre escolinha da colina.
João
Francisco se apaixonou por ela.
Sua
imagem linda, embora longe e sem se lembrar de um pobre coitado como ele, não
saía de sua mente. Ela nem imaginava o que se passava nos pensamentos e nos
sentimentos dele.
João
Francisco a recordava caminhando perigosamente em alta velocidade em pelo de
cavalo, sem arreio, sem sela. Ela, lembrava ele, parecia uma deusa ou uma fada
cavalgando nos pastos de capim gordura desfilando e desafiando as altas
colinas. Das altas colinas uma brisa fria descia e balançava seus cabelos de
rebeldes cachos amarelos. Brilhantes cabelos cor do
sol lindamente a deslizar em seu rosto angelical.
Ela
viu João Francisco na fila e foi até ele cumprimentá-lo. Ele sentiu
vergonha de si mesmo. O perfume dela nunca se afastou dele. Ele se lembrou de
quando eram crianças e ela o ensinava a escrever. As suaves mãos dela
conduzindo as suas, grosseiras e desajeitas, a ensinar-lhe a escrever o bê-á-bá
e o a-b-c. Seu simpático sorriso largo, sempre lindo, continuava a lhe enfeitar
o rosto.
Como
é difícil tentar esquecer esta paixão de sua vida. Como é difícil pensar em
esquecer aqueles dias lindos. João Francisco não deixa de pensar nela e, a cada
dia parece que seu amor aumenta mais, como também aumenta a distância entre
eles. Ele continua sem cultura e ela cada vez mais estudada. Ele não devia
tê-la amado. Acha até que foi atrevido e irresponsável quando o fez, mas, é
tarde demais agora para controlar o seu coração. Ela se aproveitou de sua
simplicidade, enfiou suas lindas mãos em seu peito amolecido e de lá arrancou
seu coração, cravou-lhe uma flecha e o entregou a um anjo pequenino que o
escondeu ao longe das colinas azuis.
Um
amor doentio tomou conta de seu ser e, aquele amor proibido estava ali, era ela.
Ela foi até ele. Ele estava sujo e cheirava mal pelo suor do trabalho desde
madrugada alta. Ela, elegantemente vestida com roupas de cidade, suavemente
perfumada, olhos cheios de vida e o mesmo lindo sorriso largo. Ele não sabia se
ficava feliz se contentando só com aquilo ou frustrado e triste por não merecer
mais. Ela tocou as suas mãos calejadas e sujas, fazendo o seu
coração explodir de amor. Ela lhe perguntou como estava ele. Ele respondeu com
respeito e educação. O seu já falecido pai lhe ensinara a conversar bem.
Quando
eram crianças, lá na escolinha da serra, antes de Bárbara ir para a cidade
grande, enquanto brincavam, ela o corrigia e o ensinava a falar. Também lia os
livros do monsenhor João Facunto Chaves que, antes da construção da primeira
capela, vinha algumas vezes rezar missa na casa grande da fazenda. Nos horários
das missas, no terreiro descalço, eles se amontoavam sentados no chão puro
juntos com índios Puris e velhos escravos doentes para ouvir a palavra de Deus.
Voltando à realidade conversaram um
pouco e ela voltou para a sua atividade na moenda.
Chegou
a vez do milho de João Francisco ser moído, e foi...
Após pegar o pó de milho que a autoridade lhe delegava em troca pelo trabalho
da barulhenta moenda movida por água corrente, ele saiu, deixou em casa junto
com um maço de couve que pegara na casa de seu Monteiro em troca de
um punhado do pó de milho que levava.
Seu Monteiro mandou que Maria Francisca lhe desse uma cuia d'água para lhe abrandar
a sede. Ela, enquanto derramava a água fresca na cuia de coité, olhava João
Francisco emocionada e desejosa. Ela gostava dele e, gosto fazia toda a sua
família para o casamento. Ele não conseguia dar a ela nenhuma esperança, pois,
o seu amor impossível era todo de Bárbara. Ela dizia que se João Francisco não
a quisesse de verdade ela iria para o convento ser freira.
João Francisco pegou a sua vara de pescar, arrancou com o enxadão algumas
espertas minhocas no quintal e caminhou rápido por entre o mato e o capim alto
para pescar lambari no rio que se formava
no desaguar de uma cachoeira das proximidades. Sabiás selvagens cantavam
alegremente em seus ninhos no pé de angá. Canários- da-terra embelezavam a
tarde com seu lindo cântico enquanto suas fêmeas colhiam pequenas minhocas nos
barrancos do riacho barulhento. Dois filhotes de coelhos brincavam no
capim alto indiferentes ao cansaço do dia que findava e à noite que se
anunciava linda. Ainda era crepúsculo. O anoitecer chegava e, lentamente,
empurrava o sol para detrás dos montes azuis.
Quando
ele estava chegando, ouviu risos no remanso da cachoeira. Caminhou rápido
afastando frágeis ramas de bambu e viu dois jovens índios puris agachados e
olhando excitadamente ansiosos. Voltou-se para o lago do remanso e viu duas
moças nuas nadando indiferentes a tudo e a todos. Uma delas era Bárbara e, a
outra, uma escrava da família que lhe servia de dama de companhia, tão moça
quanto Bárbara. Ele já as vira outras vezes ali se banhando. Sentiu um ciúme
infernal e partiu para cima dos índios para impedi-los de continuar olhando e
travaram uma briga tamanha. Enquanto ele lutava com um deles, o outro correu e,
roubando as roupas das duas moças e, fugindo silenciosamente, ele sumiu
capoeira adentro. João Francisco e o outro índio puri se machucaram muito e
saíram se xingando. O índio que com ele lutava, também correu mato adentro
esquecendo e deixando para trás uma fieira grande de lambari que havia pescado.
Enquanto isso, um menino escravo já buscara novas roupas para elas na casa
grande da fazenda.
João
Francisco voltou para casa onde a sua mãe o esperava com o complemento do
jantar. Ele limpou bem limpo lambari por lambari e os fritou bem fritinhos na
quente banha de porco. Um gostoso mingau de couve, cuscuz de milho e lambari
frito foi o jantar. Seus irmãos eram amigos, felizes e brincalhões.
Conversavam bastante e davam muitas risadas. Comiam com vontade e, com
gostosa fartura, aquela comida pobre.
João
Francisco acendeu as lamparinas de azeite. Sentou-se com a sua viola de pinho
numa pedra junto ao terreiro. Músicas lindas e apaixonadas saltavam das cordas
de sua viola. As doces melodias se espalhavam molhadas pelo sereno da
noite do lugar e voavam com o vento seguindo rumo à imensidão. Parecia até que
as estrelas "lumiavam" mais o chão e se afastavam para deixar a lua
cheia o olhar mais de perto.
De
repente, João Francisco foi abordado por um policial o intimando a ir ao posto
policial para depor. Um índio puri o denunciara como se ele tivesse roubado as
roupas de Bárbara e de sua escrava no remanso da cachoeira. João Francisco
negou tudo e não aceitou assinar o depoimento. Apanhou muito do policial, ficou
todo marcado de borrachadas do cassetete do policial, mas, não assinou. Ficou
preso naquela noite, todo doído e sangrando, mas não assinou por uma coisa que
não havia feito.
Pela
manhã o policial, o mesmo, só havia ele no povoado de São João do Rio Matipó,
abriu a porta da cadeia e o soltou praguejando ameaças por ele ter se negado a
assinar o depoimento. João Francisco já estava na rua poeirenta
quando, da porta da cadeia, o policial gritou com voz firme e alta:
__Agradeça
à madame Bárbara, pois, foi ela que lhe mandou soltar.
Curiosos
o rodeavam e comentavam seus machucados e a sua humilhação. Chorando, a sua
santa mãe veio recebê-lo e o escorou na volta para casa. Ao passar pela
porteira que dá acesso ao terreiro ele desmaiou. Desesperados ela e dois de
seus irmãos o carregaram até o barraco e o deitaram em uma rede limpa. Trocaram
cuidadosamente a sua roupa ensanguentada e cobriu as lesões com uma pasta de
confrei.
A
notícia se espalhou pelo povoado. Seus amigos vieram visitá-lo. Todos o
conheciam bem e, mais, sabiam do seu amor pela filha da Casa Grande. Apostavam
que não fora ele. Um deles chegou a questionar por que ele não reagiu e não
lutou com o policial. Teria sido pior e ele teria que fugir, pois, outros policiais,
certamente, seriam enviados da "freguesia" de Abre Campo a ajudá-lo a
manter a ordem e o respeito à autoridade.
João
Francisco já se sentia bem por não ter assinado o depoimento no mal escrito
livro de registros e ocorrências.
Neste
instante chegou uma escrava de Bárbara com uma "encomenda" para ele.
Disse a escrava:
__A
senhorita Bárbara ficou sabendo do ocorrido e mandou este chá que ela mesma fez
para voismicê. É uma decocção de confrei com água e vinho e serve para sarar a
dor e a inflamação.
João
Francisco agradeceu e a escrava saiu apressada. Mesmo antes de tomar aquele chá
ele já se sentiu melhor. Fora feito e mandado pela sua amada. Ela fora a causa
da sua prisão e das suas lesões. Parecia que se importava com João Francisco, o
que lhe fazia muito bem saber.
Continuava a vida como Deus a determinou. Já dois anos haviam se passado.
Alguns alqueires de terra foram doados pelo padrinho de Bárbara ao longo do
trajeto mais reto do rio Matipó. Ali se construiu uma capela, que levou todo
este tempo para ficar pronta, em homenagem a São João.
Na construção da capela João
Francisco trabalhou duro, como voluntário, ao lado de alguns amigos, sem nada
receber. Trabalhavam às noites, sábados e domingos, até deixarem pronta a
capela de São João Batista. Monsenhor João Facunto Chaves passou a rezar diariamente
na capela e não só ocasionalmente como fazia antes na Casa Grande da
fazenda.
Era junho, época de festas juninas, dia de São João, e uma grande festa foi
preparada para aquele sábado. Bárbara já estava formada e trabalhava no
lugarejo. Vários amigos dela vieram da cidade grande em lindos cavalos
marchadores e estavam hospedados na Casa Grande da fazenda. João Francisco
morria de ciúmes dos amigos dela e chegava a se deprimir e a se odiar por não
ter qualidades para disputar o seu amor.
Fora uma grande festa. Bandeirolas coloridas de papéis cortados, amarradas em
barbantes entrelaçados, completavam um cenário festivo. Ao fundo o mastro, com
a imagem de São João Batista, personalizava a comemoração. De muito longe, da
Diocese de Mariana, vieram a banda de música e os congados, sendo todos os
instrumentos transportados por tropa de burro e os músicos e dançarinos em lindos
cavalos de raça. Ficaram todos hospedados na fazenda de seu João Fernandes.
Doía-lhe novamente o ciúme de sua desejada Bárbara pelos rapazes que se
hospedavam na casa de seu padrinho onde ela costumava frequentar.
Grandes valetas foram cavadas no solo onde troncos se queimavam em brasa
assando centenas de grandes pedaços de boi transfixados por espetos de bambu.
Todos do povoado comiam sem economia aquela oferenda do padrinho de Bárbara.
Sanfoneiros se postavam noite adentro no ritmo de músicas de época. Violeiros
apaixonados faziam as cordas de seus instrumentos levarem as suas mensagens de
amor às caipiras virgens do lugar. Até mesmo João
Francisco mandou a sua mensagem, não só tocando, mas, também cantando. As
cantatas dele eram juras de amor para a sua doce Bárbara que nem ali estava.
Talvez bastante ocupada com os seus convidados na casa grande da
fazenda.
No
dia seguinte foi o tempo de se recuperar da ressaca da festa. Ninguém faltou à
missa das dez naquele lindo domingo de sol. João Francisco e seus cinco irmãos,
juntamente com a sua mãe, voltavam famintos para casa depois da demorada
homilia (como dizia o
padre).
Quando
estavam atravessando a porteira, quase foram atropelados por vários cavaleiros.
Talvez uns sete ou oito, não se sabe ao certo, que passaram em disparada
gritando desesperados que estavam sendo perseguidos por uma onça. Assim como
chegaram sumiram na curva do morro. Logo em seguida uma linda voz conhecida
passou a galope, em seu cavalo de raça, gritando loucamente por socorro. Logo
atrás, a perseguí-la, uma onça pintada gigantesca, rugia seu ruído mais
ensurdecedor. O cavalo de Bárbara tropeçou atirando-a no poeirento chão de
terra batida deixando-a à sua sorte, frente ao gigantesco e faminto felino. Era
ela, a Bárbara bela tão amada e desejada, tentando se levantar. A onça,
ameaçadora, caminhava lentamente em sua direção estremecendo o terreiro com seu
rugido mais forte. Necessitando matar a sua fome, o gigantesco felino já tinha
certo a sua desprotegida e fácil refeição. Angustiado, João Francisco não sabia
o que fazer. Ele não podia perder a sua amada mesmo ela o desconhecendo e, já
que era desconhecido, por que continuar vivo. Ele só tinha um facão na cintura.
Quando deu por si já estava pulando em cima da onça e, quase irresponsavelmente,
agarrando-a pelo pescoço e deferindo-lhe repetidas facadas com toda a força de
seus musculosos braços. Atirado ele foi ao chão e pareceu sentir o peso daquele
feroz animal sangrento a lhe morder os braços e o tórax. João Francisco gritava
de dor com as mordidas da pintada, mas, não deixava de desferir nela repetidas
e certeiras facadas. Já quase desfalecido, ouviu-se um tiro e o gigantesco
animal caiu morto em cima dele.
Quando
deu por si, ele estava em uma cama de verdade (nunca havia deitado numa), na
casa grande. Alguém lhe dera banho e a sua amada farmacêutica cuidava de suas
feridas. Com linhas comuns bem fervidas, ela "costurou" as suas
lesões maiores. O mesmo amassado de folhas de confrei era usado nas feridas.
Repetidas doses de chá quente de confrei com água e vinho lhe eram dadas.
Compressas de água tentaram lhe aliviar a febre. Por muitos dias permanecera
desfalecido e, conforme lhe contaram depois, delirando com a febre que teimava
em não ceder. A farmacêutica Bárbara não se desligava dele. João Francisco
sentiu medo que, em seus delírios, lhe tenha mencionado o nome. Quando teve
condições de ir embora vários dias depois, quero dizer muitas semanas depois,
João Francisco agradeceu envergonhado por não ter como pagar. João Fernandes
lhe respondeu:
__
Meu amigo, meu amigo. Se aqui alguém tem que pagar alguma coisa somos nós. Você
se arriscou para salvar da morte certa a minha menina Bárbara. Os amigos dela
lá da cidade correram todos e a abandonaram à própria sorte. Se não fosse o
Chico caçador você teria morrido. Fiquei tão emocionado com sua atitude que dei
um pedaço de minha terra para sua mãe plantar uma horta e criar alguns porcos e
cabras. Mandei fazer também uma casa decente para vocês com quartos grandes e
camas para todo mundo. Tudo isso é muito pouco pelo que você fez por nossa
família. Vá com Deus.
E continuou ainda seu João Fernandes:
__ Que
mais eu posso fazer por você em agradecimento?
João
Francisco olhou fixamente nos olhos de Bárbara a quem só por prêmio poderia
pretender o seu coração, se quisesse um. Não bastava só ele a querer. Também
não seria bom se ela o quisesse por dó, por compaixão ou por
agradecimento.
Um carro de duas juntas de bois o levou para casa, agora um pouco mais longe. A
sua mãe estava com ele. Não saíra de seu lado durante todas aquelas semanas.
Alguma parte de seu corpo ainda doía quando entrou em sua casa nova, que era
bem bonita e confortável. A sua mãe merecia e, também os seus irmãos. Eles já,
enquanto João Francisco estava moribundo, plantaram verduras e legumes na
horta. Já ordenhavam as cabras e o milho engordava três porcos no chiqueiro.
Galinhas corriam pelo quintal que não era pequeno. Teriam uma vida mais segura
e tranquila, se soubessem manipular o que lhes foi dado. Certamente
saberiam, pois queriam melhorar de vida. Ele, sua mãe e seus irmãos estavam
constrangidos de aceitar “aquele” pagamento em troca da vida da afilhada do
fazendeiro.
Depois
de mais recuperado eles foram lá conversar com João Fernandes, padrinho de
Barbara e dono da fazenda, sobre o constrangimento que a doação lhes
causou. Saíram de lá convencidos de que aquilo não era nada frente à
fortuna do seu João Fernandes, sem falar no sacrifício de quase morte de João
Francisco. Voltaram para casa menos desconfortados.
No dia seguinte era domingo. Um frio domingo de fim de inverno. Chovia. Chovia
muito. Enxurrada e barro lamacento dificultavam a todos de caminhar pelas ruas
descalças. Mesmo assim não faltaram na missa da capela. Monsenhor João Facunto
Chaves fez uma linda homilia. Ao final da missa ele pediu aos fiéis que
rezassem em agradecimento a Deus pelo restabelecimento de João Francisco. Ele
ficou emocionado pela vibrante oração daqueles amigos humildes.
João
Francisco deixou que todos saíssem. Permaneceu ajoelhado. Ainda sentindo alguma
dor, rezou ao seu santo protetor em agradecimento não só pela sua vida, mas,
pela gratidão do padrinho de sua amada de facilitar a vida de sua mãe e de seus
irmãos.
Monsenhor
João Facunto, quando saía, foi até onde ele estava, sentou-se ao seu lado com o
cuidado para não interromper a sua oração. João Francisco falou primeiro:
__
Obrigado monsenhor pela linda oração por minha recuperação. Fiquei emocionado
com a resposta de nosso povo acompanhando a sua reza.
__
Meu filho, meu filho... Somos todos irmãos. Além disso, você é um filho de Deus
e, saiba, um filho de Deus muito especial, muito amado, muito querido por nosso
povo.
__
Padre, o Senhor me conhece desde menino. Muito raramente o Senhor vinha rezar
missa aqui, ainda no terreiro da casa grande da fazenda, e eu sempre estava lá
aprendendo a “falar certo” como o senhor dizia. Como o senhor me conhece sabe
que eu não estou confortável com o pagamento que seu João Fernandes deu à minha
família pelo que aconteceu.
__Não,
não! Claro que não! Ele nada lhe pagou, pelo contrário. Pelo contrário meu
filho, ele enganou você e tentou abafar seus nobres sentimentos. Eu estava a
todo o momento ao seu lado, durante todo o período mais grave de seu
restabelecimento. A febre parecia querer consumir você. Você delirava e falava
alto e, em todo momento, você declarava a sua paixão por Bárbara. Delirando
você descrevia cada facada que dava na grande onça pintada e sempre gritando que
amava Bárbara e que não a deixaria ser ferida ou maltratada. Sua amada Bárbara
não saía de seu lado e ela chorava muito quando ouvia o nome dela de sua boca.
Seu João Fernandes, com o prêmio que deu, só quis compensar e afastar de você
outras futuras pretensões. Se você realmente gosta de Bárbara, se você quer de
verdade a sua amada, meu filho, só tem um caminho. Vá para a cidade grande
estudar.
__Como,
monsenhor? Como?
__Só
depende de você querer. Tenho amigos em Ouro Preto que podem lhe dar um ofício
e, ao mesmo tempo, lhe abrir horário para estudar. Agora você pode provar que
ama Bárbara de verdade. Estudado você estará no mesmo nível dela. Seus irmãos
já têm facilidade para se virarem sozinhos. E, você se formando, poderá
ajudá-los mais tarde, certo?
__Vou
conversar com meus irmãos e com a minha mãe e volto a falar com o senhor.
João Francisco voltou para casa e, no trajeto de volta, a sua mente trabalhava
a proposta do padre. Pela tarde, Bárbara passou na casa dele para revisar os
seus ferimentos. Estavam ótimos. Ela aproveitou para opinar sobre a sua ida
para a cidade grande para estudar. Ela até lhe deu o nome de um ourives e
joalheiro amigo dela dizendo que ele não deixaria de ajudá-lo. Já ali mesmo
escreveu uma carta de apresentação. Ela lhe desejou boa sorte e foi
embora.
Sabendo
que poderia ser mesmo mais uma maneira de se aproximar de Bárbara, tendo
cultura igual à dela, podendo conversar no nível que o dela, João Francisco
decidiu ir. Também, depois de formado, poderia ajudar os seus irmãos e
descansar a sua mãe da lida diária.
Enfrentou
uma aventura até então desconhecida. Uma longa viagem em um burro de carga que
a igreja lhe emprestara. Enfrentou poeira e chuva pelo caminho. O monsenhor lhe
dera algum dinheiro para ele pernoitar em alguma pousada nas noites daquela
longa jornada, mas, ele preferiu guardá-lo para usar em seus estudos.
Ele
foi muito bem recebido pelos amigos de Bárbara. Parece que ela era mesmo muito
querida deles. Passaram a tratá-lo como herói quando souberam do seu feito para
salvá-la.
João
Francisco estudou e trabalhou muito. Terminou o segundo grau e ingressou na
Escola de Minas e se formou em engenharia.
Voltou
para casa depois de oito anos. Encontrou todos bem em sua casa. Todos estavam
muito felizes e orgulhosos com a sua formatura. João Francisco ficou alegre
porque todos progrediam no trabalho na roça e cresciam junto com o crescimento
do povoado de São João de Matipó.
Ele teve medo de perguntar pela sua
adorada Bárbara. Não esperaram pela sua pergunta. A sua mãe disse que ela se
casara. O nosso novo Engenheiro se calou. Ele não deveria sentir isso, mas,
chegou a ter muita tristeza, uma enorme frustração, na verdade, ódio. Perdeu a
fome e agradeceu quando a sua mãe o chamou para almoçar. Entrou para o banheiro
para que ninguém o visse chorar. Banhou-se para tirar o pó do caminho.
Tentou
esquecer e descansar um pouco e não conseguiu. Montou seu cavalo de raça
trotador, sim, agora ele tinha um. Foi até a capela agradecer ao Monsenhor por
ter feito dele um engenheiro.
Enquanto
o seu cavalo o conduzia pelas ruas da vila, ele programava voltar para Ouro
Preto. Não tinha mais o que fazer ali.
Observava,
passando pelas ruas, melhorias no comércio local. Pode ver uma loja de roupas,
uma venda de secos e molhados. Em um bar, alguns antigos amigos jogavam sinuca
e saíram à porta para o verem passar curiosos. Certamente não o conheceram.
Voltaria ali depois para cumprimentá-los, pois, certamente eram conhecidos.
Todos o eram quando saiu para estudar, pelo menos a maioria deles.
__Padre!
Chamou
a meia distância, pois ele conversava com alguém debaixo de uma das duas
grandes árvores que tinha na praça da capela. Monsenhor João Facunto se
levantou, virou-se ajeitando os óculos que lhe davam uns ares engraçados. Ao
reconhecer João Francisco apressou-se a alcançá-lo.
__Meu
filho, meu filho, que saudades. Todos os dias destes oitos anos eu perguntava
por você, eu rezava por você.
__Obrigado
padre por tudo que o senhor fez por mim. Sou um engenheiro de Minas graças ao
seu incentivo, graças ao seu apoio. Isso sem falar do dinheiro que me emprestou
para despesas pelo caminho e a mula que me deu para me levar junto com minha
mala de roupas até Ouro Preto. Aqui tem um dinheiro, tome. Acho que dá para
pagar seu empréstimo e a mula, não?
__Não
quero meu filho. Dê à sua mãe e aos seus irmãos.
__Não,
padre, eles não precisam mais. Progrediram muito depois que ganharam a terra
para plantar e estão bem. Pode pegar padre. Fica para as obras da capela.
__Tudo
bem, João Francisco. Se você insiste tanto, vou aceitar para as obras da
paróquia.
__Agora,
padre, quero que me abençoe para eu tirar de meu coração este quase ódio que
nele se instalou por Bárbara ter se casando com outro.
E
duas lágrimas atrevidas deslizaram pelo seu rosto bem barbeado, exatamente bem
barbeado para encontrar a sua amada que agora pertencia a outro homem e ele nem
mais a poderia ver!
__Não
meu filho, não meu filho. Não necessita eu abençoar você para trocar por
compreensão o ódio que se instalou em seu peito. Na verdade, tudo de bom que
aconteceu com você e sua família foi a menina Bárbara que colaborou para
acontecer. Por favor, trate de esquecê-la, pois, está casada e o fez diante
deste altar de Deus e só a morte pode liberá-la deste juramento, você sabe
disso.
__Como
assim padre?
__Vamos
enumerar? Você foi preso e maltratado injustamente pelo sumiço da roupa dela e
ela se condoeu e o mandou soltar. Você lutou bravamente com aquela onça e quase
morreu. Você o fez por amor. Você sofreu e, tentando afugentar você de Bárbara,
seu João Fernandes, padrinho dela, fez o que fez para a sua família que, como
você mesmo diz, está progredindo na terra própria. Agora, convenhamos você não
foi à busca de cultura porque eu ajudei. Você não se firmou em Ouro Preto pela
carta de Bárbara ao amigo joalheiro dela. Você foi empurrado para Ouro Preto em
busca de melhorar sua posição social e ter mais condições de lutar pelo seu
amor. Logo, meu amigo, você subiu na vida graças a seu amor por Bárbara. Volte
para Ouro Preto e busque outro amor, continue progredindo na vida.
__Com
quem Bárbara se casou?
__Acho
que não deveria saber. Vá embora. Esqueça esta moça. O que importa com quem ela
se casou?
__Eu
vou sim, padre, mas, diga-me o nome dele. Eu preciso saber. Se o senhor não me
disser eu vou perguntar a ela e será pior.
__Muito
bem, meu filho. Por capricho do destino ela se casou com um índio. Um índio
Puri. O mesmo índio Puri que roubara a roupa de Bárbara naquela tarde no
remanso das pedras redondas da cachoeira. Você por culpa dele, naquele dia, foi
espancado e preso.
__E
eles vivem bem?
__Vá
embora, meu filho. Isto não é da sua conta...
__Pela
sua resposta eles não vivem bem, não é?
__Sim,
eu não deveria lhe contar isso, pois, vai fazer você sofrer e não é você que
conseguirá consertar isso. Ele é uma pessoa má, alcoólatra, agressivo, não
trabalha e, sem nenhuma classe, sem nenhuma cultura. Não sei por que a nossa
pequena Bárbara foi se envolver com uma pessoa deste nível. Ele vive na venda de
Sr. Norim se embriagando.
__Mas,
ele não a agride certo?
__Agride
sim. Muitas vezes ela foi agredida por ele.
__Padre
do céu, por que ele tolera isso, me diga?
__Ela
é uma verdadeira cristã, meu filho. Não se envolva nisso. Volte para Ouro
Preto, vá viver a sua vida profissional que será linda. Não fique aqui, vá
embora!
__É
isso que significa ser cristã? Ou cristão? Ela tem que se submeter ao
sofrimento para provar que é cristã? Não creio no que estou ouvindo, padre. Que
Deus é este? Este Deus não é aquele que me ensinou no catecismo. O Deus que eu
aprendi não quer que as pessoas sofram. Desculpe padre. Vou embora sim, pois
jamais vou concordar com isso. Como o senhor disse, eu não vou conseguir mudar
isso. Volto amanhã para Ouro preto. Abençoe-me, monsenhor. Antes de
partir, volto para me despedir.
__Vá
com Deus, meu filho. Dê lembranças à sua mãe. Diga aos seus irmãos que eu não
os vejo na capela. Apenas vejo sua mãe. Deus os quer aqui.
__Eu
direi padre.
João
Francisco voltou pensativo trotando o seu cavalo marchador. Doía-lhe o coração
pelo sofrimento de Bárbara. Resolveu andar pelo povoado para ver as mudanças
que tanto falavam que tinham acontecido. De longe ele observou uma farmácia.
Caminhou até lá. Era a farmácia de Bárbara. Desceu do cavalo e o continuou
puxando pela rédea e caminhando em direção à farmácia. Entrou. Ela, assim que o
viu, fugiu para dentro. Chegou a ver seu braço na tipoia e um olho muito roxo.
João Francisco a chamou e não foi atendido. Ela o reconheceu e não quis ser
vista naquele estado.
João
Francisco voltou triste para casa. No trajeto de volta ele mudou de ideia e foi
até a venda do Sr. Norim. Desceu do cavalo e o amarrou em um travessão
apropriado na porta. Alguns amigos o cumprimentaram. O marido de Bárbara
sentado em um saco de arroz, recostado ao balcão de tijolos sem reboco levantou
o mini copo de aguardente e o levou à boca num gole só. Quando viu João
Francisco levantou-se e foi logo o insultando:
__Olha
só quem está aqui. Está bem seu almofadinha, hein? Olha aí gente,
ele agora é doutô, doutô da cidade grande. Quer tomar uma pinga “seu”
doutô? Sua amada, que voismicê nunca conseguiu namorar é agora a minha
muié, sabia? Minha muié! Nunca mais vai ser sua, entendeu seu almofadinha?
Minha muié. Eu pago uma pinga pra voismicê pra comemorar. “Seu” Norim bota uma
pinga “prele”.
“Seu”
Norim obedeceu e colocou um mini copo de pinga no balcão. João Francisco o
pegou, levantou-o até a boca e voltou a colocá-lo no balcão e disse com voz
firme e tendo todos a olhá-lo:
__Eu
ainda gosto de uma pinguinha. Eu vou tomar esta pinga para comemorar seu
casamento, mas, eu vou pagar.
E,
tirando o dinheiro da algibeira o colocou sobre o balcão. E completou:
__Não
posso aceitar um brinde de um homem que bate na mulher...
O
índio puri se levanta, pega o mini copo no balcão e atira a pinga no rosto de
João Francisco. A aguardente arde em seus olhos e o ódio em seu coração.
Assim que ele coloca o copo no balcão de tijolos crus João Francisco o pega e o
atira violentamente no rosto do índio Puri. Conseguiu atingi-lo em plena
região de supercílio direito com um ferimento que sangra muito. Pareceu querer
desfalecer com o impacto do lançamento, mas, recuperou-se rapidamente. Saiu
praguejando furioso e gritando para João Francisco não se meter com a família
dele. Depois de secar o rosto da pinga nele atirada, João Francisco voltou para
casa.
O
jantar estava pronto. Agora ele estava com fome. O episódio na “venda” abriu o
seu apetite. Que saudade da comidinha de sua mãe. Cheirava na cozinha o frango
ensopado com lobrobô (ora-pro-nóbis) A fumaça do fogão à lenha misturava-se à
fumaça do caldeirão de arroz e da vasilha de mandioca cozida. João Francisco
pediu desculpas à sua mãe, mas, não resistiu ao ver aquelas linguiças secas na
fumaça penduradas em cima do fogão e teve que matar a saudade e comer um bom
pedaço assado na brasa.
Era
noite alta e João Francisco tocava a sua viola no terreiro tendo como plateia,
no chão, cabras e vacas, e no céu, as mesmas estrelas disputando com a lua um
espaço no escuro do céu. De repente vieram gritando que o índio puri acabara de
matar a sua esposa e fugira para a serra de malacacheta. João Francisco largou
a viola, pegou o seu cavalo e correu até a casa grande. Deu de ombros
empurrando curiosos ali aglomerados e, estirada no chão da varanda, deparou com
a sua sempre pretendida Bárbara, morta. O peito com várias perfurações de faca
e o sangue, que tanto desejou amar, tingindo o chão de tábuas de braúna por
onde escorria. Ajoelhou-se sobre aquele sangue e, em um choro incontrolável,
abraçou pela primeira vez aquele corpo que tanto desejou, querendo, talvez,
trocar de lugar com ela. Seu sangue, ainda escorrendo, molhava o peito dele que
não cabia de dor e ódio. Levantou-se com os punhos serrados e gritou com toda a
força que o ódio lhe permitia:
__Índio
puri, desgraçado. Você destruiu minha vida, seu maldito dos demônios. Eu vou
buscar você seu canalha. Vou até o inferno. Eu vou trazer você arrastado pelo
rabo do meu cavalo de onde você estiver até aqui e farei você lamber este
sangue sagrado de minha amada Bárbara.
E
num salto rápido pulou na cela de seu cavalo e correu noite adentro subindo e
descendo morros e logo o alcançou correndo a pé pelas encostas brilhantes de
malacacheta. Quando viu que era realmente ele, João Francisco gritou
enfurecido:
__Seu
índio desgraçado, volte aqui seu covarde, venha bater em alguém de seu
tamanho.
__Quer
morrer também seu almofadinha da cidade grande? Então morra.
Estranhamente,
João Francisco ouviu dois tiros e viu seu cavalo correndo de volta e, viu
também o seu corpo rolando pela encosta. Ele correu até o seu corpo e o seu
corpo estava morto. Não viu mais o índio. Não viu mais as minas de malacacheta.
Não viu mais a noite.Não se viu mais...
A
vida terrena de João Francisco acabara ali. Naquela mesma madrugada, ainda
fugindo a pé, o índio sentou-se em um cupim para descansar, foi picado por uma
cobra jararaca e morreu.
Parece
que o espírito de João Francisco estava apenas esperando a morte de seu
assassino. Assim que o índio foi morto pela cascavel, ele voltou a se ver, mas,
não na terra. Ele se viu em uma gigantesca escadaria de prata que parecia
flutuar e ser carregada por também gigantescas nuvens brancas. Ali, onde
flutuava, ele não conseguia sentir ódio. Dali ele podia ver, como em um filme,
cenas do mundo inteiro que não conhecia. Conseguia ver a dor de sua família, na
terra, sendo consolada por anjos do céu. Mas, outros anjos, pequeninos, o
despertaram para a nova vida que, agora, seria eterna. Outros anjinhos
trouxeram até ele o espírito de Bárbara. Estava linda, chegou com o seu sorriso
largo. Deram-se as mãos, beijaram-se intensamente e continuaram subindo, juntos,
as escadarias do céu.