domingo, 24 de março de 2024

 CRIANÇA EXISTE PARA SER FELIZ  



Essa história (ou estória) é uma narração verídica, apenas modificado os nomes dos “personagens’, acontecida em uma pequena cidade de Minas Gerais, na década de sessenta. NAQUELA ÉPOCA AINDA SE PERMITIA TER ANIMAIS EM ESPETÁCULOS DE CIRCO... hoje não mais, felizmente!  

  

  

             

    

 CRIANÇA EXISTE PARA SER FELIZ     

  

  

   Autor; Afranio Bastos  

  

  

  

  Capítulo 1  

  

                    Coração não tem cor  

  

Adilson, esse era o seu nome. Era desse nome que ele gostava de ser chamado. Fora esse o nome que seu pai escolhera e, com tanto orgulho, repetiu com voz grossa no dia do batizado, olhando feliz para a imagem do Cristo no altar da linda "casa de Deus". Mas, não... quem era Adilson? Ninguém sabia. Agora, perguntasse quem era Pelezinho e toda a pequenina cidade saberia responder.  

Pelezinho, moleque esperto, olhos redondos e brilhantes. Narizinho pequeno em cima de uma boca sempre sorridente, cheia de dentes tão lindos de causar inveja em muita gente.  Pelezinho, filho de Juca Preto e Bia Lavadeira, colonos da fazenda do Coronel Joaquim. Pelezinho, sete anos, alegre, brincalhão, muito bem-criado por seus pais pobres, mas, honestos, trabalhadores e muito religiosos. Seus pais muito amados pela comunidade rural e da cidade, tementes a Deus, colonos da fazenda Fortaleza.   

  Fazenda Fortaleza do coronel Joaquim, cabra da peste, muito rico, metia medo em todos os fracos, humildes e desprotegidos. Com seu poderio financeiro e influência política ele comprava as autoridades covardes que fechavam os olhos aos sofrimentos e humilhações impostos aos empregados. Servidores rurais que trabalhavam como escravos sendo, muitas vezes, submetidos até a castigos corporais.  

Como sempre alegre e feliz, contagiava de felicidade quem com ele se encontrasse. Galopando em seu cavalo de pau, correndo pela estrada deixando riscos na poeira alta, Pelezinho voltava para casa. Já não era dia, ainda não era noite, era o crepúsculo, a hora da saudade. A hora em que os corações voltam para seus lares em busca de outros corações que os amem para neles se confortarem.  

Quando se aproximava da fazenda, Pelezinho ouviu os gritos do coronel com seu pai:  

_ Volte aqui seu preto sujo, vagabundo, preguiçoso ou eu corto suas costas com chicote!  

Uma tristeza imensa inundou o coração de Pelezinho. Era muito triste ver seu pai ser humilhado pelo coronel. O pior é que não se podia pedir ajuda. Todos riam e desacreditavam quando se contavam as maldades do coronel, até as autoridades, até o padre.  

  Então, como sempre fazia nas horas de desconforto, Pelezinho correu para a mata onde tinha um esconderijo só seu, onde mergulhava em um mundo diferente, cheio de ilusões, sonhos e fantasias. E ali, chorando, ele adormeceu.  

   

   Capítulo 2  

   

                           Rosilene no Arame  

   

Indiferente à fuga da leoa que causara tanta preocupação durante o dia, a orquestra do circo do “Mosquito” embalava o ritmo de Rosilene. A linda circense, menina moça de causar suspiros, suave como uma pluma, irradiava seu encanto em seu número de malabarismo no arame.   

Mas, a menina estava triste porque a leoa de sua preferência, próximo ao dia de ganhar um filhote, fugira do circo e os homens da cidade a balearam, e ela fugira para a mata.  

Enquanto isso, longe da magia do circo, Pelezinho acordou assustado com um gemido de dor bem próximo do local onde se encontrava. Com medo saiu de seu esconderijo e, cautelosamente, foi procurando na escuridão da mata, de onde viera o gemido. De repente, que susto! A leoa do circo. Grandona, toda suja de sangue, morta, ali pertinho de seu esconderijo. E, choramingando ao seu lado, um lindo filhotinho, tão peludinho, tão fofinho, tão macio.    

 Feliz e emocionado, Pelezinho, com todo cuidado e carinho, pegou o leãozinho e correu para casa para mostrar o seu troféu certo que aquilo tiraria toda a humilhação do coração de seu pai. Nem mesmo se  lembrou que dormira na mata, que era muito tarde e que seus pais poderiam o estar procurando e, preocupados. Dona Bia e “seu” Juca correram aliviados por vê-lo são e salvo. Também acharam lindo o leãozinho, mas, não concordaram em ficar com ele em casa. Eles eram muito pobres, faltava comida até para eles, como poderiam alimentar um leão? Pelezinho pediu, implorou, mas seu pai, educadamente soube fazê-lo entender.   

Pelezinho não desistiu da ideia de ficar com o leãozinho. Voltou com ele para seu esconderijo e deu-lhe o nome de Dunga. No dia seguinte, bem cedinho correu à cidade e foi direto para a Padaria de “seu” Armando:   

_ Seu Armando. Bom dia!  

_ Bom dia Adilson! Como estão seus pais, o Juca e Dona Bia?  

_Vão bem, obrigado. Seu Armando me dá um emprego. Preciso trabalhar.  

_Mas você é muito pequeno para trabalhar...  

_O senhor não precisa me pagar... Eu quero ganhar apenas um litro de leite por dia.  

Imaginando que o leite fosse para ele mesmo, mesmo não necessitando de um empregado “seu” Armando deu o emprego para ele. Ali ele trabalhou até o leãozinho parar de beber leite. A seguir ele se empregou no açougue do "João da Carne" em troca de ossos e restos de carnes e pelancas para alimentar seu amigo Dunga. O leãozinho crescia forte e em segredo de todos. O esconderijo de Pelezinho, na floresta, era uma caverna desconhecida que, se escondia atrás de uma queda de água em uma grota na floresta rala.

   

  Capítulo 3  

   

                            Na escola  

   

Dunga era o nome do leão. Pelezinho já não pensava em outro brinquedo. Só queria brincar com seu amigo que crescia lindo, lindo e cada vez mais amigo. Não procurava outro brinquedo. Seus bois de sabugo se perderam no terreiro... certamente viraram lenha no fogão de Dona Bia. Seu cavalo de pau ficou amarrado à sombra da laranjeira... deve ter morrido... morreu sim. Morreu de fome ou, morreu de sede, ou, simplesmente morreu porque tudo morre com o passar do tempo. Dunga estava ali, grande, forte, bonito, inteligente, obediente, não saia do esconderijo e nem rugia alto preservando assim o segredo de Pelezinho.  

E recomeçaram as aulas. Pelezinho era um bom aluno, estudioso, inteligente. Cumpria rigorosamente com as obrigações escolares e estudava muito. Era, portanto, o melhor aluno da classe e, isto o fazia ser muito invejado e razão de ciúmes vindos dos alunos irresponsáveis.   

Muitos de seus colegas eram ruins, perversos, baderneiros e sem escrúpulos. Tentando humilhar   Pelezinho a todo momento, criticando suas roupas velhas, remendadas (embora limpas), sapatos reusados e, ainda, sempre lembrando, pejorativamente, a sua cor.  

Certo dia, durante uma aula de matemática, os alunos estavam fazendo tanta algazarra que a professora se viu na obrigação de impor-lhes um castigo. Passou na lousa um problema e mandou que resolvessem. Naturalmente só Pelezinho conseguiu acertar o dever. Somente ele pode sair e os demais ficaram de castigo na hora do recreio. Enraivecidos, aqueles pequenos marginais combinaram de bater em Pelezinho na saída da escola. E assim o fizeram. Após a aula mais de quinze meninos começaram a seguir nosso pequeno herói. Logo que notou que estava sendo perseguido, no caminho de volta, Pelezinho sentiu medo e, começou a correr. Os pestinhas também o fizeram e se aproximavam rapidamente de nosso amiguinho que, desesperado de medo, ele corria mais. Já se podia ver a fazenda, mas, a porteira era muito bem trancada e, até que conseguisse abri-la, fatalmente seria alcançado. Apavorado e já chorando Pelezinho desviou seu caminho para a floresta,  correndo mais e mais e, a cada olhada para trás, ele sentia que seus perseguidores estavam mais perto. Lembrou-se, então, de seu Leão. Sim, só seu leão poderia salvá-lo! Correndo ainda mais forte, com os meleques já bem pertinho, reunindo todo o resto da força que ainda tinha, ele gritou como nunca gritara antes, muito alto, forte e misturado com choro e soluços: DUNNGAAAAAAAAAAA!!! Sem nada entender a molecada começou a rir e riram muito e tanto riram que nem notaram o que estava acontecendo. Com um rugido estrondoso fazendo estremecer a terra e paralisar de medo os endiabrados perseguidores, o fiel leão atendeu de imediato ao seu amigo e rápido como um raio, apareceu na estrada ao lado de Pelezinho que rapidamente montou em seu pescoço. Assustados os perseguidores viraram perseguidos e voltaram em uma corrida desenfreada. Perdendo pelo caminho seu material escolar, rapidamente chegaram assustados em suas casas. Tiveram que inventar outra história, pois aquela do leão não convenceria os seus familiares, pois o leão já não estava lá, já que voltara mesmo da estrada.   

No dia seguinte, como se nada tivesse acontecido, todos voltaram à escola. Com o orgulho ferido os pestinhas combinaram de bater em Pelezinho ali mesmo na escola, na hora do recreio. Então, quando sentado em um canto, solitário, comendo uma banana que a professora lhe dera, Pelezinho se viu rodeado dos inimigos que, rindo entre os dentes demonstravam claramente a má intenção. Levantando-se rapidamente, assustado, instintivamente gritou: DUUUNNNGGAAAAAAAAAAA! .... Que confusão! A molecada se debandou desesperada entrando e fechando a primeira porta que apareceu. Quando deram conta estavam dentro da sala da diretoria.   

Apavorados gritaram que tinha um leão lá fora. Todos foram observar pela janela e nada viram a não ser a professora acariciando Pelezinho e, não deram importância.  

Daquele dia em diante, inteligentemente, Pelezinho passou a oferecer ajuda para a professora na saída da escola. Assim, saia sempre com ela e ficava protegido. A professora sabendo o que estava acontecendo aceitava  



Capitulo  4  

   

              Treze de maio de 1888 é agora  (não esquecer que esta estória se passou na década de sessenta)

   

Em sua caverna na mata, junto ao seu amigo Dunga, o leão, deitado na relva, espionado pelo sol, que por entre as árvores mais parecia uma lanterna de país de gigantes, Pelezinho pensava na inocência do povo brasileiro. A cada ano, nas festas escolares, comemora-se a libertação dos escravos no Brasil. Será? Temos professores mal pagos, lixeiros humilhados e discriminados, boias frias, os trabalhadores da construção civil, trabalhadores domésticos sempre com salário de fome. Os colonos lavradores como seu pai, sofrem nas mãos dos patrões. Seu pai e todos os outros colonos da Fazenda Fortaleza sofriam nas mãos do Coronel Joaquim, que os mantinha como quase escravos. Trabalhavam muito, ganhavam pouco e eram obrigados a fazer suas compras semanais no mercadinho da própria fazenda. Como o dinheiro nunca dava eram obrigados a comprar os alimentos por conta e, assim, estavam sempre devendo para o Coronel que nunca perdia a oportunidade de cobrar esta dívida. Como nunca conseguiam pagar a conta se achavam na necessidade de tolerar os desaforos do Coronel.  

  De repente o silêncio foi rompido pela gritaria do coronel que, ao longe se misturavam aos gemidos de dor e pedidos de clemência bem conhecidos de Pelezinho. Estalar de chicotes se misturava aos gritos e palavrões do coronel.  

Com um aperto no coração, uma tristeza estampada nos olhos, uma necessidade louca de se transformar em um super-herói qualquer, Pelezinho se despediu de seu amigo leão. Correu para o terreiro da fazenda, de onde vinham os gritos. E lá estava seu pai sendo chicoteado pelo patrão. Cheio de revolta e coragem, rasgando caminho por entre os curiosos que assistiam entristecidos o flagelo do pobre Juca, Pelezinho se colocou entre os dois e gritou o mais forte que sua fina voz permitia:  

_Pare aí, coroné!  

_Quer apanhar também seu moleque?  

_Se pensa que vai bater mais em meu pai está muito enganado!  

E, furioso, descontrolado e sem entender bem o que estava acontecendo e, pior, vendo crescer o número de curiosos, filhos de colonos que em volta deles começaram a aplaudir Pelezinho, Coronel Joaquim levantou o chicote para bater em Pelezinho. Pelezinho se esquivou espetacularmente e, foi perseguido pelo patrão. Correu em zigue - zngue pelo terreiro, driblando e enganando o coronel, que estava quase o alcançando, furioso. Já sentindo passar bem perto de si o estalar do chicote do enraivecido patrão, Pelezinho não teve alternativa senão revelar o seu segredo:  

_DUUUUNNNGGGAAAAAAAA!!!  

E todos viram assustados, com um rugido estrondoso, veloz como um raio, lindo, tão grande que nem sei, o leão de Pelezinho. Ninguém sabia da existência daquele leão. Com a sua esvoaçante juba prateada, atravessou o terreiro e, em defesa de seu amigo, pulou sobre o coronel derrubando-o ao solo. Só não o feriu porque Pelezinho não deixou, mas com a pata sobre o peito mantinha-o deitado no chão. A isso se seguiu uma vibração calorosa como um gol do Pelé de verdade em copa do mundo.  

Esta era a grande oportunidade de libertação. Com voz ameaçadora, enquanto Dunga mantinha o coronel deitado no solo, Pelezinho mandou chamar um advogado trabalhista, o delegado e várias testemunhas importantes da cidade, principalmente políticos oposicionistas ao prefeito e, ao coronel. Os amigos do coronel se prepararam para balear o leão, mas, Pelezinho, esperto como sempre, ficou bem agarradinho de seu leão e, com tanta testemunha ninguém se arriscou a ferir o menino. Pelezinho não aceitou negociação. Lembrando ao delegado, ao prefeito e, até mesmo ao padre, as vezes que pediam   socorro e nunca eram ouvidos, impôs sua condição: era o que ele queria ou a morte do coronel. E, como o leão rugia de forma impaciente e ensurdecedora, cada vez mais soltando seu peso em cima do coronel, este não teve alternativa, senão confessar o que todos já sabiam. Confessou que mantinha seus empregados como escravos, sem direitos trabalhistas e, que até os castigava corporalmente. Ali mesmo foi lavrada a denúncia e todas as autoridades presentes foram obrigadas a assinar. Só assim o leão recebeu ordem para soltar o coronel.  

Aquilo chamou a atenção de toda a cidade. Quando o coronel estava solto, juntamente com seus amigos e correligionários, tentaram inverter a situação, mas, foram surpreendidos pela presença de um Juiz de Direito que, pessoalmente, entregou uma ordem de prisão do Coronel ao delegado que ali estava. Ao mesmo tempo providenciou um abrigo seguro para o leão para que ele não fosse molestado. Pelezinho teve que entender que uma criança não pode se responsabilizar por um leão. O próprio Juiz procurou localizar o circo e informar da existência do animal. Mosquito, Rosilene e outros integrantes do circo ficaram felizes em saber que a leoa deixara um filhote e vieram comprá-lo de Pelezinho que não teve outra saída senão, entregá-lo. Mas, não aceitou vender o seu amigo. Já naquela época, passou a ser proibido ter animais no circo. Mosquito, o dono do circo, doou o animal para um zoológico. O zoológico de uma cidade mais próxima da cidade de Pelezinho para que ele pudesse ir vê-lo quando quisesse.  

Depois de julgada a causa os empregados receberam tudo que tinham direito em dinheiro. 

Seu Juca tratou logo de comprar um sítio. Continuou trabalhando muito, só que agora, para si mesmo e para a sua família.



Capítulo 5  

   

Gestos de amor desencadeiam outros gestos de amor  

   

Com o passar dos dias a vida de Pelezinho se transformou. Estava radiante e feliz vendo a felicidade de seus pais e de outros colonos como eles.     

Agora que seu pai comprara um sítio para trabalhar, com o dinheiro da indenização trabalhista, ele nunca mais passara dificuldade financeira. O mesmo não acontecia com muitos que ali moravam.   

Lembrou-se, com um engasgo, de uma família muito pobre que morava, não muito longe dali, pouco depois da grota do barro branco.   

Seu Nelson cachaça e Dona Rita, maluca da cabeça e, os seus quatro filhos: Jorginho, Zequinha, Onofre e o menor Gustavo. O mais velho com doze anos e o mais novo com nove meses. Pobres coitados, infelizes, filhos de um pai cachaceiro e de uma mãe   maluca.  Viventes da caridade alheia, magros, tristes, desnutridos e cheios de vermes.  

Pelezinho correu para lá. Pegou um pequeno trecho da estrada poeirenta de saibro branco que leva a Granada, passou por baixo da cerca de arames soltos, subiu a encosta de capim gordura e entrou na mata rala.  Quando atravessou a capoeira foi logo visto pelo cão pestilento, tão magro quanto sua família. Com seu latido mais bravo que, mais parecia um gemido, o cão tratou de ir anunciando a chegada, talvez, de uma alma piedosa que lhe trouxesse algo a mastigar.   

Do mata-burro, boquiaberto, emocionalmente derrotado Pelezinho viu à sua frente à pintura viva da injustiça social brasileira e das mentiras de nossos políticos.  

 A casa de pau-a-pique esburacada e coberta de sapé. Na porta o pilão de socar milho, a muito sem exercer sua função, servia de banco para dona Rita. A pobre senhora, mascando a língua, tinha no colo o caçulinha de nove meses, pestilento, magro, com ossos contáveis sob a pele, cabelos ralos, quebradiços e de duas cores, característicos de desnutrição. Indiferente, o caçulinha sugava, com toda a força que ainda podia ter, a magra teta de sua desnutrida mãe.  Mamava tentando tirar de lá, um resto daquele leite fraco que não sustenta ninguém. Os outros três, apenas diferentes de Gustavo no tamanho, sentados em um   banco velho, bem encostados um no outro, olhos fixos no nada, olhando na mesma direção, sem nada pensar, já que nem energia tinha o pensamento para gastar.   

Muito abalado, não conseguindo impedir que uma lágrima quente escorregasse pelo seu rostinho inocente, Pelezinho voltou correndo para casa. Voltou correndo com vontade de ajudar sem saber como fazê-lo.   

Chegando em sua casa, ele chorava copiosamente e foi recebido pela sua mãe que o abraçou forte indagando o que estava acontecendo. Soluçando tristemente, Pelezinho contou tudo para a sua amada mãe. Sua mãe, apertando-o junto ao seu peito, também chorou.   

Depois de acalmá-lo e consolá-lo, explicou a ele que a melhor maneira de ajudar alguém não é lhe dando dinheiro simplesmente. Depois de tê-lo convencido que criança como ele existe para sorrir, brincar, ser feliz e, não assumir obrigações que deveriam ser apenas de adultos, Dona Bia deu-lhe uma ideia de como ajudar seus amigos.   

Se cada vizinho de um pobre o ajudasse a mudar de vida ensinando-o a ganhar sem lhe dar de graça as coisas necessárias para subsistir, com o passar das décadas, uma onda mágica transformaria o mundo sem dependermos de políticos corruptos.   

  Com um beijo humilde, mas cheio de verdade Pelezinho despediu-se de sua mãe e saiu correndo em direção à grota do barro branco.   

Lá chegando pediu à dona Rita que deixasse seus filhos irem brincar com ele em seu sítio. Os meninos, com pescocinhos caídos sobre os ombros, voltaram os olhos quase sem brilho para ele e, sem esperar a resposta daquela pobre diaba, em fila indiana, passos curtos começaram a segui-lo. Enquanto isso o pequenino prendia nos lábios a mesma teta magra daquela desprotegida de Deus. O cão pestilento não balançava o rabo, pois nem energia tinha para fazê-lo.  

Chegando ao sítio Pelezinho mostrou aos três amigos a sua cabra leiteira. Gordona, bonita, mansinha e branquinha que nem sei, peitos grandões e cheios de leite. Sem necessidade de muito entender ouviram e gostaram da proposta de Pelezinho. Daquele dia em diante eles iriam cuidar da cabra. Ordenhá-la cedo, levá-la para pastar na colina de capim gordura e, ao riacho, para beber e se banhar. A cabra deveria ficar limpinha bem como livrá-la das moscas e dos carrapatos. Como pagamento receberiam almoço, janta, roupas novas e leite para o irmãozinho. Com um sorriso de felicidade tamanha, eles disseram que sim e, juntando um resto de energia que talvez tivessem, tentaram começar o serviço, mas, Pelezinho não deixou. Primeiro fez com que se banhassem, vestissem alguma roupa velha de seu   armário e lhes deu o que comer. Depois, felizes, foram eles levando a cabra por entre os pés de goiaba até o tortuoso riacho que escorria serpenteando por entre lindas pedras arredondadas.  

Bem cedinho no outro dia, agora mais despertos, já estavam no terreiro à sua espera quando Pelezinho abriu a porta de sua casa. Tomaram um gostoso e nutritivo café da manhã e foram cuidar de sua tarefa. E assim todos os dias, todas as semanas e já alguns meses sem nunca faltarem ao compromisso.   

Certo dia Pelezinho, orientado por sua mãe, lhes ofereceu outra função, já que, cuidar de uma cabra não lhes ocupava todo o dia. Plantar e cuidar de uma horta de verduras e legumes, seria a sua nova função. Ganhariam metade daquilo que vendessem e ainda poderiam tirar para levar para casa e, se alimentarem. E assim foi feito.   

Desde o início já levava os seus amigos no posto de saúde mais próximo onde o “Doutor sabe tudo” já cuidava da saúde deles. Também já ia com todos eles para a escolinha da fazenda e viviam todos muito felizes.  

Depois de muitos dias, já feliz com seus amigos agora felizes, sorridentes, bem alimentados, tão brincalhões como trabalhadores, a horta já produzindo, Pelezinho ficou surpreso ao chegar ao terreiro. Na horta, agachados, arrancando o mato e revirando a terra, Nelson Cachaça e dona Rita ajudavam seus filhos. Foi correndo perguntar à sua mãe o que estava acontecendo. Ela respondeu que eles chegaram cedo pedindo para trabalhar em troca de comida e ela deixara. E outros serviços lhes foram dados porque, embora meio confusa, Rita não era doida e, seu Nelson não bebia mais. Até o cão já latia forte e corria esbanjando energia protegendo e defendendo o quintal. Como não tinha nome passou a chamar o cãozinho de Bandith que todos gostaram...  

    FIM.