O TEMPO MODIFCOU A VIDA DELA
O nome dela é
Melissa. Ela chegou a Santos com cinco anos de idade. Ela e seus pais adotivos.
Não tinha outros parentes.
Seus pais foram mortos em um latrocínio covarde
quando ela tinha dezesseis anos. Quando recebeu do médico, Dr. Arantes, a
confirmação que seus pais já chegaram mortos ao Hospital ela, chorando, esmurrou o peito dele muitas vezes. Enquanto o fazia, ela gritava o chamando de assassino e
incompetente.
Ela sentiu não
conseguir viver sem nenhum parente e, após doar uma linda casa e um bom seguro
de vida deixados por seus pais, para uma instituição de caridade, tentou se
matar se atirando na frente de um carro em alta velocidade.
Ficou muito
grave, muito tempo no Hospital, na UTI, mas, foi salva pelo médico que ela desprezou
um tanto. Quando recebeu alta do Hospital ela desapareceu. O médico já se sentia
responsável por ela e, teve medo de que ela tivesse se matado. Depois de muito
procurar a descobriu em um convento, em Minas Gerais, na grande região
metropolitana de Belo Horizonte.
Dr. Arantes
tentou encontrá-la, mas, ela fugia dele. Ele ficou em um Hotel próximo ao Convento
e, em vão. Por várias vezes tentou falar com ela e não conseguiu. Ela e outras
Noviças do Convento faziam muita caridade nos bairros pobres. Certo dia,
tentando separar uma briga de dois mendigos, ela foi muitas vezes esfaqueada e,
novamente quase morreu em uma UTI. Novamente foi salva pelo Dr. Arantes.
Ela tentou
fugir do médico por muitas vezes. Mas, não conseguiu. Não conseguiu, pois,
desde o primeiro dia em que o viu tentando salvar os seus pais, ela se
apaixonou por ele. E, ele que acreditava apenas a estar protegendo, também estava
perdidamente apaixonado por aquele anjo feito moça, feito mulher. Só depois que
se casou com ele é que ela descobriu estar se casando com um médico dono de uma
fortuna que jamais conseguiria gastar. Ela chorou muito lembrando de sua infância
pobre no Nordeste do Brasil. Ela chorava copiosamente e se negava a contar para
o seu marido, a razão daquele choro doído. Mas, Dr. Arantes não podia ter uma
esposa que se negava a lhe contar algo que a fazia sofrer. Qundo estavam em lua
de mel em Paris. Depois de seu marido muito insistir, ela contou a sua vida, o
seu passado.
__Nós
morávamos no sertão nordestino. Longe de tudo, perto do nada. Convivíamos com a
seca por um tempo e, menos seca em outro tempo curto. Fora da seca meus pais
plantavam, criavam galinhas, porcos e cabras. Tínhamos o que comer e vender. Ao
lado de nosso casebre, um casal de amigos também morava em uma choupana. Eles
nos ajudavam nas criações e plantações. Tinham três meninas trigêmeas. Éramos
muito amigas. Nós quatro tínhamos a mesma idade. A seca nos penalizava quando
chegava, mas, sabíamos que ela iria embora. Uma época, a seca não quis ir embora. Ficou.
E, tornou a ficar e, não foi mais embora. Nada nascia na terra judiada pelo
sol, Nem galinhas, nem cabras nem porcos tínhamos mais. Passámos fome. Quando
tínhamos algo a comer, meus pais fingiam que comiam e deixavam para mim. Os
dois morreram de inanição e, tuberculose, eu acho. Os pais de minhas amiguinhas
me adotaram. Levaram-me para dividir com eles o que não tinham. Pensaram em nos
levar dali, mas, não tiveram tempo. Uma onda de infecção intestinal, uma a uma,
matou as minhas irmãs adotivas. Quando meus pais adotivos se deram conta de que a
seca havia vindo para não mais sair, estávamos quase mortos também, de sede, de
fome, de revolta e de saudades de nossos mortos. Sem conseguir raciocinar
muito, pois, nem energia tínhamos para tanto, saímos pela estrada poeirenta em
busca de algo, ou de nada. Antes de sair eu me ajoelhei nas sepulturas de
minhas amiguinhas irmãs e, chorando lágrimas que a desidratação quase não me
deixava ter, eu pedi a elas que nos guiassem e nos protegessem, pois, a Deus eu
não tinha mais o que pedir.
Com a sede e
a fome a nos enfraquecer a mente e as penas, ainda conseguimos andar por dois
dias. Não conseguiríamos mais dar um passo sequer. Caímos na margem da estrada
quase desfalecidos. Neste momento passou uma velha camionete que poderia nos
dar carona, mas, não o fez. Alguns metros à frente ela parou. Alguém desceu
dela no lado do carona e, na margem, no capim seco deixou alguma coisa e, buzinando
forte, foi embora. O meu pai adotivo uniu um restinho de força que talvez ainda
tivesse e foi ver o que era. Eram garrafas de água, frango assado e batatas
fritas, queijo e goiabada e, uma garrafa de leite. Há muito não comíamos e
tivemos que fazê-lo com vagar.
Assim, com
mais energia, conseguimos chegar a uma grande cidade do Nordeste. Na estação
ferroviária, meu pai trabalhou por algum tempo, carregando malas e, recebendo
por isso, encaminhava passageiros para hotéis que o haviam contratado. Já não
passávamos fome. Morávamos em uma pensão simples, mas, melhor não necessitaria
ser. Depois de alguns meses, juntando dinheiro de seu trabalho, viemos para
Santos. Eu cheguei aqui com cinco anos de idade. Logo meus pais conseguiram
trabalho. Melhoraram de emprego em pouco tempo. Conseguiram me educar...
morreram como você sabe. Essa, meu
marido, é o meu passado. Agora quero saber o seu...
__Antes de
contar o meu passado, depois de ouvir o seu, eu posso chorar?
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Este conto foi tirado do livro do mesmo autor, Afranio Bastos,
chamado ”OS PORTÕES DO CÉU”